A semana de todos os riscos
Na terça-feira, Carles Puigdemont vai ao parlamento e garante que irá “declarar a independência” da Catalunha.
Já se viveram dias de medo e indefinição na crise que políticos e analistas dizem ser a pior em Espanha desde a tentativa de golpe de Estado de 1981. A semana que agora começa espera-se de definição, mas poucos arriscam apostar num dos cenários possíveis.
Declaração de independência
Numa entrevista à TVE catalã, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, insistiu este domingo que vai aplicar “o que diz a lei”, referindo-se à Lei do Referendo que o parlamento autonómico aprovou a 6 de Setembro e que o Tribunal Constitucional suspendeu. “A declaração de independência, que nós não chamamos declaração ‘unilateral’ de independência’, está prevista na Lei do Referendo como [consequência da ] aplicação dos resultados. Nós aplicaremos o que diz a lei”, afirmou.
Deputados da CUP (Candidatura de Unidade Popular), o partido à esquerda da coligação Juntos pelo Sim, no poder, têm dito que o texto da declaração está a ser escrito e negociado entre as diferentes formações. Ninguém o admite, mas é possível que Puigdemont declare a independência sem efeitos imediatos. Uma declaração que preveja um período de negociações de seis meses, por exemplo, podia ser recebida em Madrid como uma meia capitulação. O primeiro-ministro, Mariano Rajoy, repete que só negoceia quando os líderes catalães “regressarem à legalidade”, mas é provável que encarasse este cenário como uma vitória e desistisse, no imediato, de medidas mais duras.
Uma declaração com efeitos imediatos implicaria a aplicação por parte do Governo central do artigo 155 da Constituição, que suspende, na prática, a autonomia. A primeira levaria os catalães pró-Espanha à rua, a segunda os independentistas. É o cenário que mais assusta os analistas.
Novas eleições
Não é provável mas é possível que o líder da Generalitat defenda que, face aos problemas que enfrentou para organizar o referendo, a realização de novas eleições é a melhor forma de aumentar a legitimidade dos independentistas. Os obstáculos impostos pelos tribunais e pela polícia, incluindo o encerramento de sites onde quem estava nas mesas de assembleia deveria consultar a lista de recenseados, retiraram garantias a uma consulta que nunca seria legal mas podia defender-se como legítima.
Os líderes nacionalistas acreditam que a actuação do Governo antes do referendo e a recusa de Madrid em condenar a repressão policial, que fez mais de 800 feridos, fez crescer o número de catalães dispostos a dar um voto ao nacionalismo. Actualmente, os partidos independentistas têm a maioria de deputados mas não chegaram aos 50% nas eleições de Setembro de 2015.
Artigo 155
Se dependente de Albert Riveras, líder do partido Cidadãos, dos líderes do PP na Catalunha ou do histórico socialista Felipe González, o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, já teria invocado o artigo 155 da Constituição. O PP pode fazê-lo sozinho – só tem de ir a votos no Senado, onde os conservadores têm a maioria.
O “botão vermelho” desta guerra fria retira poderes ao parlamento e à Generalitat, funcionando, na prática, como uma suspensão da autonomia e pode ser aplicado quando uma comunidade autonómica “não cumpre as obrigações que a Constituição e outras leis lhe imponham, ou actue de forma a atentar gravemente contra o interesse geral de Espanha”.
Na prática, tanto Rajoy já descreve assim a situação como Puigdemont considera que “o estado de emergência está em vigor” e a “autonomia já foi suspensa”. Para os líderes catalãs, é essa a realidade desde a chegada dos reforços policiais, a retirada do controlo orçamental ao seu governo por parte do Ministério das Finanças e a detenção de vários funcionários.
Rajoy admite aplicar o artigo 155 mas parece querer evitá-lo a qualquer custo. Seja como for, no momento actual, e em nome de “evitar males maiores” (como pediu à Generalitat que fizesse antes da consulta), pode escolher aplicá-lo preventivamente e assim tentar impedir a declaração de independência. Se não fizer nada e Puigdemont declarar a secessão na sua ida ao parlamento, terça-feira, às 18h, sabe que muitos espanhóis não lhe perdoarão.