Colby Keller: o actor porno, artista e comunista que quer mudar o mundo
Foi um dos convidados do último QueerLisboa e será uma das personagens do próximo filme de Miguel Gonçalves Mendes, O Sentido da Vida. Fomos conhecer este homem de esquerda que votou em Donald Trump.
Acabar nu numa gruta no Tennessee foi mais do que o resultado da profissão de Colby Keller, um actor gay de filmes para adultos. Foi o culminar de um dos seus projectos artísticos, Everything but Lenin. Neste mundo em que sobreviver implica, muitas vezes, o desdobramento em várias actividades, o actor escolheu uma carreira das mais inesperadas: além de trabalhar como actor (pornográfico mas não só) e modelo, é também artista visual, blogger — em Big Shoe Diaries —, activista ambiental e comunista convicto. Um comunista convicto que, alínea importante, votou em Donald Trump
Convidado da mais recente edição do QueerLisboa, onde apresentou o idiossincrático projecto fílmico Colby Does America, Colby Keller visitou Portugal também a propósito da sua participação no próximo filme de Miguel Gonçalves Mendes, O Sentido da Vida. Com um bacharelato em Antropologia pela Universidade de Houston e um mestrado em Arte de Estúdio pelo Maryland Institute College of Art, o actor envolveu-se no mundo da arte "muito antes" de se envolver no mundo da pornografia. "Tem sido uma longa relação”, contou o artista ao PÚBLICO em Lisboa, no Museu Nacional de Etnologia.
A sua premiada carreira na indústria pornográfica gay já o coloca no papel de veterano — são mais de dez anos e 90 filmes, embora considere que tem menos trabalho à medida que os anos vão passando —, mas, mais do que por "curiosidade", Keller enveredou por esse caminho por necessidade, “para sobreviver no meio de uma crise económica”, uma vez que se revelou impossível encontrar trabalho na sua área de estudo. Depois de uma candidatura por e-mail a uma produtora de entretenimento para adultos, a rejeição que esperava não veio e tem hoje uma extensa base de admiradores pelo mundo, com mais de 151 mil seguidores no Instagram.
Este “herói do mundo moderno”, como o descreve o realizador Miguel Gonçalves Mendes, vê-se facilmente como alguém em quem qualquer um pode sentir-se reflectido. Colby pensa que o seu papel, no mundo do entretenimento de e para adultos, é ser a pessoa na pele de quem os espectadores imaginam estar. "Os outros [actores] são os objectos sexualizados e eu sou a pessoa com quem se identificam." O seu ar de boy next door, e o seu físico, semelhante ao de um jogador de futebol americano como Tom Brady, não o identificam como um libertino. Há mesmo um ar romântico na figura de Colby Keller, que se deve à forma como a sua sensibilidade e o seu humor se transferem para as coisas que faz.
Dizer que o seu percurso tem sido variado ficaria aquém da realidade. Além de performer no mundo do entretenimento adulto, Colby Keller já foi modelo numa campanha, Mirror the World, da estilista inglesa Vivienne Westwood, em que se mostrava vestido com roupa não-heteronormativa (ou seja, roupa que convencionalmente seria usada por mulheres, como vestidos de rede ou botas de cano alto vermelhas), e para a qual foi fotografado por Juergen Teller. Não foi a primeira vez: também já tinha trabalhado como modelo com o estilista queer BCALLA, em 2015. Como actor, participou na comédia americana High Maintenance, uma web series sobre um estafeta especializado em marijuana que chegou à HBO em 2015: aparecia no primeiro episódio, em nu frontal.
Pornografia e catarse
Apesar do seu estatuto de veterano, Keller perdeu por pouco a idade de ouro da indústria de filmes adultos gay, nos anos 1990, quando “se ganhava imenso dinheiro”. O fenómeno da emergência de produtoras ligadas à Internet mudou tudo. As diferenças mais notórias são a consolidação corporativa da indústria — “agora há três ou quatro empresas que são donas de tudo” — e um movimento no sentido do barebacking, uma prática sem preservativo que, há uns anos, o teria posto numa lista negra. O barebacking disseminou-se devido ao uso cada vez mais recorrente da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), um medicamento capaz de evitar a transmissão do VIH mas cuja utilização é controversa na comunidade gay.
Colby Keller estima que 60% dos actores envolvidos na indústria de pornografia gay são heterossexuais e explica que a “dinâmica é definitivamente diferente” entre actores com diferentes orientações sexuais: "Aos performers gay tenho de dar mais atenção do que aos performers heterossexuais”, diz. Há uma dinâmica díspar também na forma como a sua profissão é vista: “A pornografia é uma parte natural e própria da cultura gay e, por essa razão, os performers têm um papel muito mais visível e muito mais celebrado na sociedade”, estatuto que considera bem mais difícil de alcançar por “performers do sexo feminino e heterossexuais."
A distinção entre pornografia e arte erótica não é um debate conclusivo. Mesmo os académicos têm tido dificuldade em separar estes termos de forma definitiva. Contudo, há inúmeros artistas que, de forma mais ou menos bem-sucedida, vão explorando possíveis contiguidades entre os dois. Colby Keller tenta fazer isso mesmo: “Se quero fazer arte, e de uma forma pública, então é inevitável conciliá-la com a minha carreira de actor. Mas tem sido um desafio ao longo dos anos tentar pensar em maneiras de juntar as duas vertentes. Idealmente, a arte virá desse esforço."
Colby Does America, o seu projecto mais recente, é um empreendimento artístico erótico e ousado, cuja existência só foi possível através de uma grande colaboração com todo o tipo de voluntários. Duas dessas colaboradoras, Kate e Martha, criaram o site onde os vídeos estão disponíveis, organizados geograficamente. O projecto implicou filmagens nos 50 estados dos Estados Unidos, bem como em algumas zonas do Canadá, interrogando a representação social e a mercantilização da sexualidade. Tal como a arte, argumenta, também "a pornografia é definida pela sociedade”.
Colby Keller procura “um espaço em que a audiência possa participar", não só na produção dos significados dos seus objectos artísticos, mas também na produção dos objectos propriamente ditos. "Quero partilhar o processo”, explica. No seu trabalho, luta activamente contra conceitos como o de nostalgia ou contra a imposição de uma estética definida. Insiste que a faceta social do seu processo artístico (talvez ligada à sua veia de antropólogo, admite) implica estar aberto às estéticas dos outros, algumas das quais completamente diferentes da sua.
Mas o trabalho artístico de Colby Keller é também uma forma de catarse emocional. Everything But Lenin partiu da circunstância de ter sido despejado pelo senhorio depois de dez anos a viver em Baltimore. Sem dinheiro para viver noutro sítio ou para guardar as suas coisas num armazém, Keller deu tudo o que tinha, sem contrapartidas, de forma a lidar com a situação da forma mais positiva possível. Colby Does America acabou por ser também uma forma de expressão pensada de maneira a “conseguir sobreviver e ultrapassar esse acontecimento traumático”, afirma o performer.
Apesar da variedade de actividades que mantém e de ter conseguido ultrapassar o nicho da indústria onde trabalha, o performer não considera que tenha feito realmente uma transição. “Ainda dependo da pornografia enquanto rendimento”, diz ele. Mas é “interessante” ver como funciona a cultura de cada ramo, da televisão à moda, sublinha: “Tem sido uma grande aprendizagem.”
Com e contra Trump
Enquanto antropólogo e activista, especialmente no que toca a questões ambientais, Colby Keller está especialmente atento à política. Durante três anos, trabalhou em Washington com um lobista que tinha como clientes pessoas como Charles Taylor — o 22.º Presidente da Libéria e “um ditador terrível” — ou com grupos como aquele a que chama "A Família", uma organização política e religiosa com “laços secretos e poderosos” nos mais altos escalões da política norte-americana. A experiência deixou-o tão desiludido com o modus operandi do centro político dos Estados Unidos que, depois de votar em Obama (“Queria acreditar naquilo que nos estava a prometer”), escandalizou a sua comunidade na véspera das últimas eleições ao anunciar que votaria em Donald Trump. Apesar de ter vindo recentemente explicar a sua posição (“Votei nele mas não o apoio”) num vídeo no YouTube e num artigo intitulado Why I Voted for Donald Trump, diz-se indiferente à indignação que a sua opinião causa. "Sabemos agora que os democratas adoptaram Donald Trump como o seu candidato preferido, pensando que facilmente o derrotariam [...]. Escolhi Trump porque a democracia nos Estados Unidos é uma farsa. Ninguém representa melhor esta farsa do que um vilão de banda desenhada de cabeleira laranja forjado pela televisão — década após década — para caricaturar os ricos [...] que beneficiam da guerra interminável e da privação económica que castigam o resto de nós [...]. Gostemos ou não (e a maioria de nós não gosta, eu incluído), Trump, o bilionário independente que se financiou a si próprio, representou um voto contra um sistema corrupto", argumentou então.
Para este activista comunista, o mandato de Trump é uma oportunidade para que haja mudanças reais e radicais: “É triste ver que foi preciso aparecer alguém como ele para que começassem a ocorrer mudanças, mas há algo de positivo no facto [de a sua presidência] mostrar ao resto do mundo que se pode afastar dos Estados Unidos e criar outro tipo de cooperações. Trump mostra de que é que os Estados Unidos são realmente feitos. E o que se revela não é bonito”, afirma Keller, que sente que o poder do seu país pode enfraquecer a nível mundial. O que não é necessariamente mau: “Ainda há a possibilidade de criarmos um mundo melhor, se estivermos dispostos a trabalhar para isso."
Artigo corrigido às 10h53 de 10/10, substituindo a expressão "vírus da sida" por "vírus VIH".