Duas Cristinas galegas apanhadas na tempestade catalã

Milhares de espanhóis vestiram-se de branco e pediram aos políticos para fazerem o seu trabalho: conversar e negociar. Na capital catalã, as bandeiras ficaram em casa e a praça do município encheu-se de gente.

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Praça Cibeles, Madrid LUSA/Victor Lerena
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Autarquia de Bilbao, País Basco LUSA/Javier Zorrilla
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Praça Colon, Madrid LUSA/Javier Lizon
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Largada de balões no centro de Barcelona Reuters/ERIC GAILLARD
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"Falemos!", sugerem manifestantes em Barcelona Reuters/GONZALO FUENTES
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Madrid Reuters/SERGIO PEREZ
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Barcelona Reuters/GONZALO FUENTES
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Praça Cibeles, Madrid LUSA/Victor Lerena
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Madrid Reuters/JAVIER BARBANCHO
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Praça Colon, Madrid LUSA/Javier Lizon
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Largo Pilar, Saragoça LUSA/Javier Cebollada
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Largo Pilar, Saragoça LUSA/Javier Cebollada
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Madrid LUSA/Javier Lizon
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Praça de Obradoiro, Santiago de Compostela, Galiza LUSA/Lavandeira jr
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Praça Sant Jaume, Barcelona LUSA/ALBERTO ESTEVEZ
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Recém-casados saem de uma igreja em Malaga, pelo meio de uma manifestação e de cânticos: "Make Love, not war" Reuters/JON NAZCA

As duas Cristinas falaram muito, só aqui e ali do movimento independentista catalão. Duas galegas a viver em Barcelona, duas gerações. “Eu tenho 68 anos, ela podia ser minha filha.” Duas mulheres de esquerda com opiniões muito diferentes sobre o nacionalismo. “Cris, Cris, deixas-me falar?” Quase três horas de conversa depois despediram-se com um beijo.

No manifesto da iniciativa “Hablamos? Parlem?” lia-se que “os espanhóis são melhores do que os seus dirigentes” e pedia-se que se juntassem, vestidos de branco, junto às câmaras municipais das suas cidades. A ideia era mostrar aos políticos que quem os elegeu consegue falar, uma aparente impossibilidade para os protagonistas da fractura que ameaça partir Espanha, o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, e o presidente catalão, Carles Puigdemont.

Na praça S. Jaume de Barcelona, sede do município e da Generalitat, juntaram-se milhares. Já eram centenas antes da hora marcada, as 12h, pouco depois era difícil furar através da multidão que transbordava para as ruas que saem da praça. Mais partidários da unidade de Espanha do que o independentismo, aquele que votou há uma semana num referendo suspenso pelos tribunais.

Quase toda a gente vestiu de branco, alguns pintaram as mãos, houve quem trouxesse balões que se soltaram logo no início. No dia em que não houve nem bandeiras espanholas nem independentistas na rua, muitos fizeram cartazes. “Nem 155 nem DUI”, era o mais repetido, apelando a Rajoy para não aplicar o artigo 155 da Constituição, que suspende a autonomia, e a Puigdemont para não fazer uma declaração unilateral de independência.

Mais exemplos: “- Orgulho + Diálogo”, “- Testosterona + Diálogo”, “Time to have sex”, “Façam o vosso trabalho: Falar & Negociar, ou “Nem DUI nem cassetetes”.

Jaime, andaluz de 56 anos, muitos mais em Barcelona do que Cádiz, conta que só veio por causa dos mais de 800 feridos das cargas policiais de domingo passado. O mesmo motivo que o levou a sair de casa e votar. Anti-independentista, votou em branco, o seu era “simplesmente um voto de protesto”.

Nas ruas, há semanas que não se fala de outro tema. Paradoxalmente, não se conversou assim tanto em S. Jaume. Gritou-se muito a exigir aos políticos que o façam mas a maioria juntou-se a conhecidos que partilham opiniões.

Somos espanholas?

Quem nunca se calou foram as duas Cristinas. Antigas vizinhas do bairro da Gràcia, encontraram-se por acaso, as duas de T-shirt branca, e só saíram de S. Jaume já a praça estava quase vazia. “Não, não penses que estamos a discutir, estamos a conversar e até concordamos, somos é espanholas, só sabemos falar assim, agitadas”, começou por dizer a Cristina mais velha.

Na verdade, nem as Cristinas concordam em tudo nem se consideram as duas espanholas.

“Eu não sou espanhola. Mas também não sou francesa e adoro França”, diz a Cristina mais jovem. “Ai, eu sou espanhola. O nacionalismo é um cancro que não nos permite ver que partilhamos problemas, que não nos permite unir para mudarmos realmente o país”, afirma a Cristina mais velha, que vota Podemos e parece capaz de defender Pablo Iglesias até ficar sem voz. “A minha pátria é o meu povo”.

“Os nacionalismos estão a destruir o Podemos e a força dos movimentos populares. Estamos a voltar à casa de partida, antes do 15-M”, defende a Cristina que tem um filho de 41 anos que não nasceu em Barcelona por umas semanas. “Nasceu em Agosto, chegámos de carro, em Setembro, um ano antes da morte de Franco.”

A Cristina que é um pouco mais nova do que o filho da amiga vota Bloco Nacionalista Galego e desconfia de Iglesias. “Mas porquê? Pablo defende uma Espanha plurinacional”, diz a Cristina mais velha. A outra garante que na sua Galiza o Podemos “pouco tem feito pela língua ou pela cultura, e cada vez há menos gente a falar galego ou a conhecer a nossa história”. 

“Eu sou nacionalista, galega, claro. Tenho de ser coerente e apoiar o independentismo catalão”, explica. A mais velha não se contém: “Estes daqui queixam-se sem razão. A nós é que nos destruíram completamente, aniquilaram-nos, e começou com os reis católicos. Tínhamos azeitonas, tínhamos indústria têxtil. E deixaram-nos sem nada, sem meios de produção e sem história.”

40 anos de distância

Uma das Cristinas chegou aqui aos 25 anos, a outra um pouco antes dos 30. Talvez por terem vivido na Galiza em épocas diferentes e por terem chegado a Barcelona com quase 40 anos de distância parece que descrevem duas Galizas e duas Barcelonas.

“Em Vigo, se falo galego ninguém me responde em galego, sou apontada na rua por falar a minha língua”, diz a Cristina mais nova. “Se apresento um currículo em galego fico para trás e nem consigo que me dêem impressos em galego para apresentar a minha declaração de rendimentos”, descreve. “Mas Cris, se está o PP no poder, o que esperavas tu?”, responde a amiga.

O PP voltou ao poder na Galiza em 2009, depois de um governo de socialistas e nacionalistas. Desde então, está na Junta Alberto Núñez Feijóo, actualmente o único presidente autonómico de Espanha a governar com maioria absoluta. Nas últimas eleições regionais e municipais, em 2015, os partidos tradicionais perderam muitos votos, graças sobretudo ao sucesso de coligações cidadãs apoiadas pelo Podemos (as “marés”).

“Esta geração é muito injusta”, diz Cristina, olhando para a amiga mais nova. “Eu passei muito, já era mãe quando o franquismo acabou”, afirma, explicando que o galego era a língua do campo, o castelhano, o das cidades. E que, ao contrário do que fizeram os catalães, na Galiza não se prepararam professores para ensinar em galego quando a ditadura acabasse. “O galego está a desaparecer porque não é uma língua que permita ascender socialmente, não é uma língua útil. Os catalães tornaram a sua língua útil”, descreve a mais nova.

Elitismos e liberdades

Enquanto a amiga mais velha descreve o movimento independentista catalão como “burguês, elitista e classista”, a Cristina mais jovem fala de “ingenuidade”. “Não percebem o que é que implica construir um país, não entendem que será duro”. Mas em Barcelona, diz, nunca se sentiu excluída.

“Eu aqui sinto liberdades que não sentia no meu país. Não me sinto prejudicada por me candidatar a um emprego em castelhano, nunca fui olhada de lado”, sublinha, apesar das críticas que faz aos partidos nacionalistas catalães, “todos de direita, populistas e eleitoralistas, menos a CUP” (o partido à esquerda da coligação no poder, que permite ao independentismo ter maioria no parlamento).

Uma senhora pede para interromper. “Nunca pude votar em referendos sobre ordenados, leis laborais ou o valor das propinas”, diz. “E a minha vida continua tão difícil como era antes deste processo”, descreve. “Enquanto dura isto, os que estão no poder não fazem nada pelos problemas que nos ocupam, se temos trabalho, se um filho vai entrar na universidade, se podemos pagar a renda”, concorda a Cristina mais velha.

As Cristinas vão continuar a falar. A senhora que pediu para interromper está de partida com o marido. “Posso deixar um apontamento?”, pergunta agora o senhor, voz a tremer-lhe um pouco. “As pessoas na Catalunha têm mesmo de conversar. A independência, se tiver de acontecer acontece, nem que leve 20 anos. Mas no outro dia, uma pessoa mais velha, próxima de mim e que sei que é muito catalanista, dizia-me: ‘No dia em que alguém morrer por causa disto então nada terá valido a pena”.

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