Guimarães abre as portas a cerca de 400 artistas em mais um Noc Noc

Ruas, praças e edifícios da cidade, um deles, pelo menos, inédito, vão novamente revestir-se de arte com as cerca de 170 propostas dos 400 artistas inscritos na sétima edição do Guimarães Noc Noc, agendada para o fim de semana. O evento arranca num comboio que sai do Porto.

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O coração da cidade berço vai bater ao ritmo das exposições, instalações e performances que vão ocupar as ruas e praças do centro histórico, mas também cafés, restaurantes, lojas, centros comerciais, hotéis e casas cedidas por particulares em mais uma edição deste festival, distinto pela informalidade, quer nos espaços de exposição ou de performance, quer na relação entre artista e público, normalmente próxima.

Com 170 projectos que se estendem da música à fotografia e das artes multimédia à pintura, passando pela escultura, pela literatura e por outras multidisciplinares, o evento deste ano tem uma escala mais reduzida do que o anterior — 230 projectos em 70 espaços —, mas Pedro Ferreira, presidente da Ó da Casa, associação que organiza o festival, explica que, desde 2012, quando se atingiu o recorde de participação — 320 projectos, 500 artistas e 70 espaços —, o número tem sempre oscilado, antecipando uma presença nas ruas a rondar as “20 a 30 mil pessoas”, com cada exposição a receber, em média, dois mil visitantes.  

“Às vezes, quando nos perguntam porque é que o Noc Noc não é um mês, a logística tornaria a coisa impossível”, defende o responsável, sugerindo que um artista consegue talvez “concentrar mais visitas durante o fim-de-semana do que numa exposição numa galeria, durante um mês”, recebendo ainda um “feedback mais imediato” do público.

A programação, que inclui ainda o Mini mini noc noc, com seis projectos direccionados para as famílias e para a “criação de novos públicos” entre as crianças, adiantou Pedro Ferreira, arranca não em Guimarães, mas no comboio da CP que sai do Porto, pelas 12h20 de hoje, com um momento musical. A abertura oficial ocorre depois, pelas 15h00, no Largo da Oliveira, com a performance “Bubble”, do colectivo de dança contemporânea Espaço Neutro.

À volta do homem

Depois de se terem estreado no festival em 2016, com uma trilogia repartida por três espaços, Maria Inês, Lia Vohlgemuth e Rodrigo Teixeira regressam à cidade minhota para apresentar uma peça que foi trabalhada na última semana em residência artística, para se adaptar ao espaço que a envolve.

O projecto, descreveu Maria Inês, explora a “contradição entre o “homem de hoje e a ideia quase utópica sobre o primeiro homem, o “homem virgem, sem qualquer tipo de educação”. A artista acrescenta ainda que, a seu ver, o que há de interessante em ter a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira como cenário é a “conotação quase de estereótipo, de formatar e educar”, contrária ao ponto do “homem selvagem” onde se quer chegar. Rodrigo Teixeira acrescentou que a actuação vai contar com três vimaranenses, para mostrar como o “manual de instruções” para se sair da “bolha pode ser aplicado em locais diferentes”.

Este vai ser a primeira “abertura oficial” do Noc Noc, assinalou Pedro Ferreira, referindo que, nos seis anos anteriores, tais momentos resultaram de “inscrições espontâneas de artistas”, ou de “ideias da própria associação”. O presidente da Ó da Casa explicou que a residência artística apenas foi possível graças à parceria com a Oficina, a empresa municipal responsável pela cultura, já que o orçamento do festival se resume aos 10 mil euros garantidos pela Câmara, no âmbito do “apoio às associações”, e a uma restante verba de patrocínios, que é direccionado para a construção das sinaléticas — as deste ano, da autoria de Ângelo Mendes e de Sofia Cunha, inspiram-se na indústria têxtil vimaranense —, a “impressão de mapas e de catálogos” e um “jantar de família”, com os cerca de 60 voluntários do festival Noc Noc, responsáveis pela distribuição dos mapas, pela vigilância dos espaços e pelo acompanhamento do público.

A arte chama

Fundado em 2011, com o intuito de dar oportunidade a artistas que poderiam ficar de fora da programação da Capital Europeia da Cultura, que se realizou no ano seguinte, o Noc Noc disponibilizou-se logo a “inventar e criar espaços” para além das galerias tradicionais, fosse uma “casa particular ou um edifício abandonado”, explica Rui Cunha, outro dos membros da Ó da Casa.

A maioria dos 150 projectos da primeira edição foi apresentada nas sedes de associações culturais como o Convívio, o Círculo de Arte e Recreio e o Cineclube, mas alguns estabelecimentos comerciais e casas de particulares também se disponibilizaram a acolher manifestações artísticas, prática que mantêm até hoje.

Mas, de ano para ano, o Noc Noc não conquistou somente espaços de particulares, como a Casa Velha, perto da Praça de Santiago, que, segundo Rui Cunha, faz habitualmente da sua cave uma “sala de exposição, de convívio e de partilha de experiências”. Estendeu-se também a outros à partida mais improváveis, como o Tribunal da Relação, que abriu pela primeira vez as portas ao público em 2013, com 17 projectos, e permitiu a fotógrafos a captação de novas perspectivas sobre a cidade, e o antigo edifício dos CTT, que abriu pela primeira vez os seus espaços no ano passado e gerou “curiosidade e “satisfação” entre os visitantes, já que praticamente “ninguém conhecia os andares de cima”.

A principal novidade deste ano é um edifício amarelo datado de 1942, localizado à entrada da Avenida D. Afonso Henriques, a do Centro Cultural Vila Flor, denominado Gaveto de Petros, que vai acolher 12 projectos, nacionais e internacionais, ligados principalmente à pintura, à escultura, à fotografia e às artes multimédia. O edifício, devoluto até há dois anos, ainda não foi recuperado e leva os artistas a “repensarem o trabalho que vão expor” para o enquadrarem no espaço, explicou Pedro Ferreira. O proprietário do imóvel, Pedro Lopes, disse ao PÚBLICO que se mostrou receptivo a acolher o Noc Noc, até porque, no futuro, pretende transformá-lo num hotel com “exposição constante e dinâmica de obras de arte”, expostas nas paredes dos quartos e disponíveis para serem compradas pelos clientes, após contacto com os próprios artistas.     

Christian vem para viver o respeito entre artistas     

A informalidade e a diversidade artística do festival têm igualmente cativado artistas internacionais. Christian Oettinger desloca-se pela quinta vez de Munique a Guimarães para apresentar, desta feita, uma instalação de máquinas interactivas, alusiva às questões de género, que procura interrogar quem as utiliza sobre o que “tipicamente se considera como um homem ou como uma mulher”, no Claustro do Museu Alberto Sampaio.

Presente pela primeira vez em 2012, quando apresentou uma instalação “simples”, com 100 garrafas de shampoo a “reluzirem como pequenos soldados”, numa representação de um cenário em que as pessoas exibem a “sua marca e a sua individualidade, mas parecem todas iguais”, Oettinger tem tornado o seu trabalho mais complexo de ano para ano — incluiu a sinalética dos espaços em 2014 —, por já conhecer a cidade e os locais onde pode “comprar” os objectos necessários.

O que mais o impressiona no Noc Noc, porém, é o “respeito” entre artistas com estilos e sensibilidades diferentes, que os leva a formar algo de “bonito em conjunto, muito aberto e sem competição”, ao contrário da cena de Munique, onde, esclareceu, as pessoas são “muito competitivas” e têm “receio” do que os outros artistas fazem. O ambiente vivido no Noc Noc inspirou-o a organizar, em junho de 2015, o OFF Munich, um festival de arte experimental aberto a acolher qualquer artista ou grupo que quisesse apresentar o seu trabalho, no qual a associação Ó da Casa participou.     

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