Pode Pedro Calapez influenciar o próximo Orçamento de Estado?
Primeiro-ministro abre a residência oficial à arte contemporânea. Este ano é Serralves, para o ano será a colecção Cachola a ter obras em São Bento.
Os futuros historiadores de arte, aqueles que daqui a cem anos olharão para a arte contemporânea feita em Portugal no século XXI, vão ter de analisar as listas dos artistas exibidos nas paredes da residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa, desde este 5 de Outubro. É fácil imaginar toda a espécie de considerações que se farão sobre a visão da contemporaneidade a partir desta sede do poder.
Quem artista estava em 2017 sobre a lareira, o lugar mais representativo de toda a residência de São Bento? O Museu de Arte Contemporânea de Serralves, a primeira instituição convidada para mostrar em São Bento a sua colecção, pôs aqui uma pintura abstracta de Ângelo de Sousa, um dos 26 artistas que trouxe do Porto para expor na residência oficial do chefe do Governo, até ao 5 de Outubro do próximo ano.
Mas se os artistas que em 2018 estarão em destaque em São Bento ainda são uma incógnita, já sabemos, anunciou esta quinta-feira António Costa, que a seguir virá a Colecção Cachola, outra colecção privada, que tem a sua sede no Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Serralves “é a primeira exibição que dará lugar, todos os anos, em regime de rotatividade, a outras colecções”, disse o primeiro-ministro no seu discurso no jardim, depois da visita guiada feita pela directora de Serralves, Suzanne Cotter, responsável pela selecção das obras, perante centenas de convidados e o público que fez filas para entrar na residência.
“Tínhamos que ter um critério e o critério foi simples, escolher colecções privadas de fora de Lisboa, porque há muito património, muita criação, muitas instituições, que merecem o nosso conhecimento e a nossa visita”, continuou o primeiro-ministro, que tinha a seu lado uma série de artistas, políticos como os presidentes da câmara do Porto e de Lisboa, e a sua própria família, da filha à mulher e à mãe.
Costa fez, aliás, questão de se meter com Rui Moreira, dirigindo-se várias vezes ao presidente da câmara portuense, a primeira para dizer que todas as obras voltarão ao Norte: “Não há nenhuma tentativa, centralista, de nos apropriarmos das colecções que estão no Porto. Daqui a um ano devolvemos ao Porto o que pertence ao Porto e a Serralves o que é de Serralves.”
A lista de artistas inclui nomes como os consagrados Helena Almeida, Julião Sarmento, Cabrita Reis ou Lourdes Castro, mas também jovens artistas como Pedro Henriques ou Sónia Almeida. Há fotografia, desenho e pintura.
Antes, o primeiro-ministro já tinha agradecido a Suzanne Cotter “o trabalho minucioso” de selecção. Uma escolha feita para um espaço que não “é um museu, nem uma galeria”, mas “um local de trabalho e de representação”, onde se entendeu “que era útil e necessário prestar uma homenagem à cultura portuguesa”. São Bento, disse, será um local “de representação da criação cultural contemporânea e dos artistas portugueses”.
Durante a visita guiada com a imprensa e alguns convidados, o primeiro-ministro brincou com Pedro Calapez sobre o potencial efeito benéfico da arte contemporânea na discussão do Orçamento de Estado para 2018. Uma pintura de Calapez de 1987, ao lado de outra de Skapinakis, foi colocada na sala de reuniões do primeiro piso, para onde se prevêem discussões animadas nos próximos dias. “Já sabe que, se os orçamentos saírem maus, a culpa é sua”, ironizou Costa, depois de a directora de Serralves ter explicado que procurara algo inspirador, suave, para contrabalançar as longas reuniões que se fazem nesta sala.
Julião Sarmento, que tem uma pintura na Sala da Lareira, considerou “muito inteligente”, disse ao PÚBLICO, a escolha de Cotter. Sobre quais podem ser os resultados deste convívio da elite política com a arte contemporânea, Sarmento diz que não é “futurólogo”, mas que a iniciativa lhe “parece extremamente louvável e de repetir”.
Já Pedro Calapez não tem a ambição de influenciar o Orçamento de Estado, nem mesmo o rendimento da discussão orçamental, mas talvez a iniciativa sirva para desenvolver alguns aspectos mais artísticos, diz: “Vamos pensar que esta imagem da presença da arte contemporânea em São Bento se reveja numa atitude de desenvolvimento dos centros de arte fora de Lisboa e do Porto. Dou muita importância a isso.”
Agora, convidou o primeiro-ministro, é só voltar a São Bento todos os domingos: a entrada é gratuita.