Um olhar sobre as eleições autárquicas

Os tempos que vêm exigirão muito ao PCP e ao BE. Saibam estar à altura.

Todos perceberam que estas eleições locais tinham um significado que ia muito para além do domínio local.

Há quatro anos, o PSD/CDS no governo perdeu as eleições para o PS de José Seguro. Agora,  o PS no governo, em acordo com o PCP e o BE, viu reforçado de modo considerável as suas posições. O poder não o desgastou, antes pelo contrário.

Ao virar à esquerda, o PS fortaleceu-se e o PSD, ao manter-se agarrado ao empobrecimento, sucumbiu e não foi preciso vir o diabo para o levar ao inferno.

Passos nem assim se desamarra do fato de primeiro-ministro, persiste em ficar no seu imaginário para todo o sempre com a ideia que ele é o que pensa que devia ser.

O PSD foi humilhado em Lisboa e percebe-se que, no meio de tantas negas a Passos na busca de um candidato, os lisboetas não aceitassem o refugo.

Cristas venceu a contenda e passou à frente de Teresa Leal. Canta vitória. Mas se somar os seus votos com os de Teresa Leal devia chorar, pois vinte mais onze faz trinta e um por cento de votos para toda a direita. É muito pouco.

De que ri? Dos seus vinte por cento? Pensará Cristas que chegará para ganhar um dia Lisboa? Pensará Cristas que vai para o governo sem o PSD? Claro que sabe que não vai. E Lisboa é importante e tem muitas estações de metro, mas Portugal é muito mais que Lisboa. E o CDS não arrancou. Ficou-se pela luta entre Leal e Cristas. É muito pouco.

Vale a pena olhar para o resultado do PCP/CDU de vários ângulos.

Há dois anos Jerónimo de Sousa surpreendeu positivamente tudo e todos a convidar o PS formar governo. Foi uma atitude que ficará para a História.

PS, PCP e BE alcançaram um acordo que pôs termo à política de empobrecimento do país e os resultados passados estes dois anos estão à vista.

Nestas condições, as eleições tinham o seu quê de dificuldade para o PCP. Sabia-se que o PS iria capitalizar a política que, como se vê, tem o apoio da maioria da população.

Assim era exigido ao PCP uma política muito fina de profunda ligação às populações e de abertura para que qualquer descontentamento não fosse levado pelo arrasto para o PS.

E a verdade é esta: houve municípios que resistiram e outros que não. Provavelmente onde o trabalho autárquico foi levado a cabo com minúcia, empenho e abertura para resolver as situações, o PS não conseguiu derrotar os candidatos da CDU.

Onde houve divisões, trabalho deficiente, cristalização do poder, o efeito PS deu para vencer.

Se há dois anos Jerónimo recebeu chapeladas de todas as esquerdas, na noite de domingo, dia um de outubro, a peregrina ideia de que as populações se iam arrepender é notável.

As populações que trocaram o PCP pelo PS fizeram-no em liberdade e optaram. Tal como há quatro trocaram câmaras do PS pela CDU.

 Se preferiram o PS à CDU, o PCP só tem que tirar lições e arregaçar as mangas para perceber o que não funcionou como devia ter funcionado.

A ideia subliminar que o partido está certo e as populações estão erradas e, portanto, ir-se-ão arrepender pode ser um sintoma da incapacidade do partido para se mover no mundo atual, em que a maioria dos municípios já tem infra-estruturas instaladas, serviços básicos a funcionar. O que marca é a necessidade de dar satisfação à necessidade de novos equipamentos e de assegurar voos para satisfazer as aspirações das populações. A capacidade de diálogo e de absorver as críticas é fundamental. Onde não há corre-se o risco de perder. E o arrependimento é um ato de simbologia penal/religiosa que não se aplica a quem vota em liberdade e em consciência.

Não aceitar uma derrota, por muito dolorosa que seja, culpando as populações por terem feito as opções que entenderam serem as melhores, é um mau passo no sentido de meter a cabeça na areia e não ver o que se está a passar, tanto mais que o PCP é um partido que muito contribuiu para derrotar a política de direita.

O PS ao assumir uma convergência em pontos significativos com as esquerdas também beneficiou, como se viu.

Ao contrário do PSOE, PS Francês, SPD, o PS virou para a esquerda e os resultados estão à vista.

Se o PS julgar que sozinho leva o barco no bom caminho engana-se. Foi a convergência que lhe deu força acrescida. A rotura com a política seguida não lhe dará a força que vai buscar às convergências. O dia a dia não vive só de eleições, como Costa bem sabe.

O BE, nestas eleições, ficou a marcar passo. É bom que olhe para o que se passou e veja a importância do poder local de outro modo. Maior cooperação com as esquerdas e menos sectarismo.

Cabe ao BE e ao PCP encontrar os meios que permitam tornar claro às populações que o PS, sem o BE e o PCP a condicionar a sua política, não faria a política que tem seguido e que está a dar frutos.

Em vez de se digladiarem, BE e PCP só têm a ganhar se reforçarem os pontos convergentes dos seus ideários. Os tempos que vêm exigirão muito ao PCP e ao BE. Saibam estar à altura.

 

 

 

         

     

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