A tosse, o humorista e as letras cadentes fizeram May viver um pesadelo
Tudo pareceu acontecer à primeira-ministra no discurso de encerramento do congresso dos conservadores.
Theresa May viveu em Manchester um pesadelo que já terá assombrado as noites de muitos políticos. Fragilizada pelo fiasco eleitoral de Junho e pelas divisões no governo sobre o “Brexit”, a primeira-ministra britânica queria aproveitar o encerramento do congresso anual dos conservadores para ressuscitar a sua liderança e unir o partido em torno da sua agenda interna. Mas o discurso não será lembrado por aquilo que disse, mas pelos ataques de tosse que lhe roubaram a voz, pelo cenário que se desfazia atrás dela e o aviso de despedimento que lhe foi entregue no palco por um humorista em nome de Boris Johnson.
“O espectáculo foi uma metáfora do seu mandato: frágil, coxo, na expectativa que alguém acabe com a sua agonia, mas seguindo em frente por muito mal que se pareça estar”, escreveu o Politico, sublinhando que “enquanto os jornalistas tapavam os olhos com vergonha”, os dirigentes e militantes uniram-se para apoiar com aplausos a líder que lutava para chegar ao fim do discurso.
Os comentadores políticos não foram condescendentes. “Poderia ter acontecido a qualquer um e a vida é injusta, mas o que aconteceu hoje, depois desta semana, vai certamente pôr fim a qualquer esperança que May pudesse ter de sobreviver para disputar outras eleições”, escreveu no Twitter o ex-editor de Política da BBC, Nick Robinson. Janet Daley, colunista do Daily Telegraph, afirma que o discurso “foi uma metáfora de toda a sua liderança: corajosa, conscienciosa, mas incapaz”.
A intervenção até tinha começado bem, com May a pedir desculpa aos militantes por ter perdido a maioria no Parlamento e a assumir total responsabilidade por uma campanha “demasiado programada, demasiado presidencial”.
Foi também um dos discursos mais pessoais da líder conservadora, habitualmente pouco emotiva, que falou sobre a “grande tristeza” de não ter conseguido ter filhos ou de como a sua avó foi criada de uma família abastada. E, retomando mote que assumiu ao chegar a Downing Street, em Julho de 2016, – “um Reino Unido que funcione para todos” – prometeu um investimento de dois mil milhões de libras na construção de casas a preços controlados, e anunciou que o Governo vai avançar com a imposição de limites aos preços da energia para a grande maioria das famílias britânicas.
Mas o conteúdo acabou por passar para segundo plano quando Simon Brodkin, humorista britânico conhecido por interromper famosos, se aproximou do palco e deu à primeira-ministra uma cópia dos formulários que as empresas entregam aos trabalhadores despedidos. “O Boris [Johnson] disse-me para lhe dar isto”, disse-lhe, numa referência à contínua rebelião do ministro dos Negócios Estrangeiros.
Brodkin foi levado dali, mas pouco depois as letras do slogan colado no cenário atrás de May começaram a cair e a tosse foi-se tornando cada vez mais insistente, roubando-lhe a voz e obrigando-a a interromper-se uma e outra vez. Mal terminou, o marido foi em seu socorro com um abraço e muitos dirigentes louvaram-na por ter levado o discurso até ao fim. “Se há aqui uma metáfora é da luta contra a adversidade”, disse Ruth Davidson, líder dos conservadores escoceses.
Downing Street desvalorizou os percalços e May brincou com o sucedido publicando na sua conta de Twitter uma fotografia com as pastilhas e o xarope para a tosse que está a tomar. Mas nas crónicas deste dia vão ficar manchetes sobre a “agonia” o “pesadelo” ou “catastrófico discurso” de uma primeira-ministra a precisar desesperadamente afirmar a sua autoridade.