O Estado e a indústria dos media

A defesa da pluralidade de empresas de comunicação constitui um objetivo incontornável para as políticas públicas.

A anunciada crise no mais qualificado grupo de media português, a Impresa, não é inesperada nem exclusiva. Pior do que isso, trata-se de um primeiro sinal mais evidente de uma crise estrutural que atravessa todo o setor, estando longe de ser uma singularidade portuguesa.

No nosso país, os mais recentes dados atestam a gravidade da situação: queda do investimento publicitário no setor e das receitas dos grupos de media, continuada descida das tiragens das publicações periódicas não compensada pelo aumento das assinaturas das edições digitais, fragmentação das audiências televisivas, com consequências na popularidade dos canais generalistas, que agora concorrem com canais temáticos mas também com outros serviços não lineares, entre outros dados relevantes.

Estas tendências parecem irreversíveis, tendo em conta as profundas mudanças nas formas de consumo dos media, mas sobretudo a concorrência das redes sociais e do chamado, talvez impropriamente, jornalismo do cidadão. Os media perderam o monopólio da informação, situação acentuada pela gratuitidade de muitos conteúdos, alguns pirateados, outros não produzidos por jornalistas, hoje acessíveis pelos cidadãos onde, como e quando quiserem.

Face à crise do setor e à emergência de novos concorrentes — Facebook, Google, etc., que absorvem grande parte das receitas publicitárias —, o mercado dos media está a mudar de paradigma. O investimento na indústria dos media deixou de ser uma mera aposta num setor socialmente relevante, mas rentável e lucrativo, para passar a ser, demasiadas vezes, apenas um meio de obter influência politica e social que permita conseguir mais facilmente receitas noutros setores. Os proprietários dos media são cada vez mais empresas ou grupos empresariais para quem o investimento neste setor não representa o core business essencial.

Por outro lado, o enfraquecimento das empresas conduziu a sua maioria a opções estratégicas que fragilizam ainda mais aquilo que deveria ser o papel distintivo incontornável da comunicação social, sobretudo a sua credibilidade, face ao jornalismo do cidadão: redução dos quadros das empresas, nomeadamente do número de jornalistas, e aposta no imediatismo e no sensacionalismo em detrimento do cumprimento das regras deontológicas e das exigências de rigor e qualidade.

Neste quadro, qual deverá ser o papel do Estado e do poder político? Em muitos outros setores económicos e industriais, a evolução tecnológica ou a concorrência de outros mercados ditaram alterações na sua viabilidade, não se justificando, porém, qualquer intervenção do poder político.

As políticas públicas para os media não podem ser encaradas da mesma forma. Não está apenas em causa, sem desvalorizar a sua importância, a sobrevivência de empresas e o emprego de milhares de pessoas. Os media desempenham uma relevante e insubstituível função social de garantia do direito à informação dos cidadãos, fundamental na vitalidade dos regimes democráticos. A defesa da pluralidade de empresas de comunicação, a sua liberdade, os direitos dos jornalistas, bem como o cumprimento por estes de regras éticas e deontológicas, constituem, mais do que condições para a salvaguarda da democracia, objetivos incontornáveis para as políticas públicas. Tal como, cada vez mais, a aposta num serviço público de media independente dos poderes político e económico e que preencha as insuficiências do mercado ao nível da diversidade, da qualidade, do pluralismo e dos valores da ética e da deontologia.

Na Europa, nomeadamente nos países nórdicos, mas igualmente em França e na Áustria, por exemplo, existem amplos sistemas de incentivos estatais às empresas de comunicação social. Noutros países, a situação atual mereceu já outras medidas de salvaguarda das empresas de media.

Em Portugal, os apoios estatais limitam-se desde 1994 à comunicação social regional e local — à imprensa regional e, desde 1997, também às rádios locais —, mas a fatia do Orçamento do Estado que lhe é destinada vem diminuindo drasticamente: por exemplo, de 2003 para 2017, a verba diminuiu de mais de 16 milhões para quatro milhões...

O alheamento do Estado perante esta grave realidade não se limita a esta enorme redução de fundos públicos. Em fevereiro de 2015, ao atribuir às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional a burocrática distribuição dos incentivos, mas não a definição dos seus critérios de atribuição — uma falsa regionalização... —, o Governo anterior aproveitou para extinguir o Gabinete para os Meios de Comunicação Social (GMCS), serviço da Administração direta do Estado que tinha como uma das principais missões apoiar o Governo na definição das políticas públicas para a comunicação social. Dele resta um pequeno núcleo de quatro pessoas colocadas numa direção de serviços integrada na Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros. A Administração Pública deixou de incluir qualquer estrutura ou departamento verdadeiramente capacitado para prestar assessoria ao membro do Governo que define as políticas para o setor e, consequentemente, para estudar, planear e executar uma política que defenda o setor face a esta tremenda mudança em curso.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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