Bill Fontana: “Gosto de ouvir a Ponte 25 de Abril cantar”

Uma instalação imersiva audiovisual, a partir de sons, vibrações e imagens da Ponte 25 de Abril, ocupará a partir desta terça-feira a Galeria Oval do MAAT, por ocasião do primeiro aniversário do museu, numa operação desencadeada pelo artista sonoro americano Bill Fontana.

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Bill Fontana: “A ideia das imagens é mais sugestionar do que revelar, provocando a imaginação” Rui Gaudêncio

“Está a ouvir? É a Ponte 25 de Abril a ‘cantar’!”, exclama o artista sonoro Bill Fontana, desafiando-nos a escutar atentamente, enquanto explica na imensa Galeria Oval do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, o processo de organização sonora que conduziu àquele resultado. “Este fragmento sonoro foi acelerado ligeiramente em estúdio e o resultado foi este: o som abstracto da ponte parece uma voz humana.”

Aos 70 anos, o artista e compositor americano, que se tornou conhecido pelo trabalho pioneiro, desde o final dos anos 1960, na área da arte sonora e que foi revolucionando ao longo dos anos as práticas de design sonoro, está entusiasmado. E tem razões para isso. Inaugura nesta terça, e é revelada ao público na quarta-feira, a obra Shadow Soundings, uma instalação audiovisual imersiva, desencadeada a partir de sons, vibrações e imagens recolhidas na Ponte 25 de Abril.

A obra constitui uma encomenda para o primeiro aniversário do museu, que, para além da exposição de Bill Fontana, inaugurará também Quote/Unquote — Entre a Apropriação e o Diálogo, a partir de uma selecção de obras da colecção da Fundação EDP, e uma mostra de vídeo no âmbito do programa Artists’ Film International, para além da celebração à volta da cultura da música de dança que decorrerá nesta quarta-feira com concertos e sessões DJ numa coordenação de Moullinex, antecedendo o Openday de quinta-feira.

Com uma longa carreira de 50 anos, Bill Fontana já criou muitas instalações sonoras especificamente para alguns dos museus e galerias mais conhecidos do mundo — da Tate Modern de Londres ao Whitney de Nova Iorque, passando pelo Museu de Arte Moderna de São Francisco ou a National Gallery of Victoria de Melbourne —, mas nunca havia operado com instalações vídeo da escala de Lisboa. “Numa conversa, em Nova Iorque, com o director do MAAT, Pedro Gadanho, ele mostrou interesse em ter um projecto à volta da Ponte 25 de Abril, talvez por eu ter feito projectos com a ponte de São Francisco, e foi aí que tudo começou.”

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Bill Fontana começou a operar com som no final dos anos 1960, depois de ter estudado com o compositor John Cage, e de se ter inspirado em conceitos do artista Marcel Duchamp para desenvolver esculturas sonoras D.R. D.R.
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"É mais interessante que a Golden Bridge porque produz um som mais contínuo do que em São Francisco. A ponte daqui ‘canta’ de forma mais profunda. O som difundido expande-se por toda a paisagem à volta contaminando inclusive o centro." Bill Fontana D.R. D.R.

Em Março do ano passado, o artista visitou pela primeira vez a Ponte 25 de Abril, em Lisboa, e ficou impressionado. “Achei-a mais interessante do que a Golden Bridge, porque produz um som mais contínuo do que acontece em São Francisco. A ponte daqui ‘canta’ de forma mais profunda e constante. O som difundido expande-se por toda a paisagem à volta contaminando, inclusive, o centro da cidade, ao mesmo tempo que visualmente é muito impressionante pela combinação do rio e das sombras dos carros e dos comboios que difunde. Foi então que comecei a fazer sessões de gravação de som mas também de imagem e da estrutura, separando diferentes espaços com microfones e utilizando sensores para captar vibrações.”

A sua primeira aproximação ao campo de trabalho, esclarece, é quase sempre intuitiva. “Oiço o som, capto permanências e desvios e depois vou gravando para ter acesso a uma segunda camada de informação, fazendo experimentações para depois fazer modelagem de som em estúdio.” Nos sete ecrãs de grandes dimensões dispostos na Galeria Oval destacam-se dois centrais que irão transmitir em directo imagens da ponte. “As câmaras estão localizadas em pontos distintos”, revela Bill Fontana, “e a ideia das imagens é mais sugestionar do que revelar, provocando a imaginação. No processo estive em várias zonas entre o tabuleiro dos carros e comboio, onde ninguém vai, como é evidente, e uma das coisas que mais me impressionaram foram as sombras. São muito bonitas.”

Para ele, as pontes são estruturas sonoras e visuais muito estimulantes, porque “são organismos vivos, absorvendo a energia das pessoas e dos carros ou dos comboios, com o rio lá em baixo”. Em 1987, por ocasião dos 50 anos da ponte de São Francisco, onde reside, concebeu uma escultura sonora e, anos mais tarde, voltaria a germinar um projecto artístico com a infra-estrutura. “Os padrões sonoros de Lisboa são diferentes e aqui estou a utilizar outras tecnologias como sensores vibratórios. Nesse sentido, creio que este é o meu projecto com pontes mais estimulante que já fiz.”

O som produzido através da ponte é ubíquo em muitas zonas de Lisboa. É facilmente reconhecível pelos seus habitantes, podendo, especialmente em dias ventosos, ouvir-se bem ao longe. Ao mesmo tempo, a sua história é conhecida da maioria. É uma infra-estrutura omnipresente. Para quem deseja atribuir-lhe renovados níveis de leitura, isso é limitador ou uma mais-valia? “Depende”, ri-se ele. “O facto de ser parte da identidade da cidade é bom, porque pode partir-se para a sua recriação sonora com a certeza de que as pessoas vão identificar o que ouvem e talvez discernir algumas diferenças, mas essa presença constante também pode ser problema.”

Um dos objectivos de Bill Fontana é precisamente recriar e transformar essa relação familiar que a maior parte detém com a ponte, “atribuindo-lhe outras leituras e idealmente procurar novos sentidos para essa ligação”. Ele próprio olha para essa relação, na actualidade, de forma diferente do que há um ano. “Comecei por ler muito sobre a sua história e é interessante que tenha ficado como símbolo colectivo da revolução”, afirma, brincando de seguida: “Claro que é outra coisa, mas para mim, como artista, pelo facto de ser uma das instalações de som e imagem maiores em que já estive envolvido, também acaba por ser uma revolução.”

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"As pessoas ainda não reconhecem padrões sonoros, continuando a chamar-lhes ruído. Nesse sentido a tentação é sempre controlá-lo, quando o ideal era organizá-lo, como acontece com os outros elementos do design." Bill Fontana Rui Gaudêncio

O som sedu-lo por razões artísticas. Mas é possível dissociar esse interesse de questões ecológicas? Por outras palavras, a consciência social acerca do som que nos envolve ainda é diminuta. Isso percebe-se até na construção de infra-estruturas de engenharia ou em construções arquitectónicas, em que o som, por norma, ainda não é muito pensado. “É verdade, sim. De uma maneira geral, as pessoas ainda não reconhecem padrões sonoros, continuando a chamar-lhes ruído. Nesse sentido, a tentação é sempre controlá-lo ou mesmo apagá-lo, quando o ideal seria organizá-lo, incorporar aspectos ou ressalvar algumas das suas características de forma positiva, como acontece com os outros elementos do design.”

Bill Fontana começou a operar com som no final dos anos 1960, depois de ter estudado com o compositor John Cage, e de se ter inspirado em conceitos do artista Marcel Duchamp para desenvolver esculturas sonoras, num processo de descoberta em que sons ignorados vão sendo seleccionados e colocados em novos contextos, num processo de recontextualização e de transformação de significados. Ao longo dos anos, por exemplo, recriou as vibrações da Millennium Bridge e transpôs o som para a Tate Modern de Londres, ou captou sons da costa da Normandia para o Arco do Triunfo em Paris para assinalar o aniversário do Dia D, ou levou o som das Cataratas do Niágara para o museu Whitney, em Nova Iorque.

No início, quando começou, havia uma separação nítida entre som, ruído e arte. Hoje, a arte sonora está legitimada, mas para o público em geral ainda continua a ser, na sua opinião, “algo esotérico”. Na sua visão, entre as novas gerações artísticas existe um crescente interesse em torno do som enquanto matéria artística — “talvez porque a tecnologia para trabalhar o som é muito mais acessível”, afirma — e porque as universidades e os conservatórios abraçaram a arte sonora. “Mas ainda assim existem resistências no mundo da arte das grandes galerias, que vivem segundo lógicas de mercado muito marcadas, porque é algo que, à primeira vista, não será tão facilmente vendável como a pintura.”

Uma coisa é certa. Ele não se pode queixar. Convites não lhe faltam. Agora está a concretizar um projecto à escala global para as Nações Unidas acerca das alterações climáticas. Mas por estes dias estará em Lisboa, uma cidade que caracteriza, do ponto de vista sonoro, como sendo “muito enérgica”, porque “existe um ambiente vibrante nas ruas, em especial nas zonas densamente povoadas, mistura de vozes e línguas exóticas para mim e alguns sons de sinos”. E depois, claro, sempre presente, a ponte: “Gosto de a ouvir ‘cantar’. É um privilégio escutar a sua voz interna.”

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