André Ventura é testemunha de acusação no processo dos vistos gold
Quando for ouvido em tribunal, na quarta-feira, sobre a época em que trabalhava para o fisco, o candidato social-democrata já terá sido eleito para o executivo camarário de Loures.
André Ventura já terá sido eleito para o executivo camarário de Loures quando, na próxima quarta-feira, for ouvido em tribunal no julgamento do processo dos vistos gold. Num caso em que o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo, do PSD, se senta no banco dos réus, o candidato do PSD a Loures foi arrolado como testemunha de acusação pelo Ministério Público.
Porquê? Porque antes de se tornar uma figura conhecida do comentário televisivo André Ventura, que se licenciara em Direito e especializara em questões tributárias, trabalhou para o fisco. E foi na qualidade de inspector tributário estagiário que, em 2014, analisou um caso que havia mais tarde de ser investigado no âmbito do processo dos vistos dourados, apesar de versar sobre outro tipo de matérias: o negócio do tratamento em hospitais portugueses de feridos de guerra líbios, protagonizado por um amigo de Miguel Macedo, Jaime Gomes e também pelo patrão de José Sócrates, Paulo Lalanda e Castro.
A rentabilidade do negócio dependia em grande parte de ser ou não cobrado IVA em Portugal à empresa através da qual os feridos líbios vinham a Portugal, a Intelligent Life Solutions, de Lalanda e Castro. Só que não estava a ser fácil convencer fácil convencer o fisco a abdicar de uma receita que, segundo o Ministério Público, ascendia a 1,8 milhões de euros. O então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Passos Coelho, Paulo Núncio, confirmou recentemente em tribunal, onde prestou depoimento também na qualidade de testemunha, aquilo que os investigadores já tinham descoberto: que quando estava no Governo recebeu representantes desta firma a pedido de Miguel Macedo, para discutir a questão do IVA.
Fê-lo por duas vezes, embora negue ter interferido no processo conduzido pela Autoridade Tributária, que viria a isentar a Intelligent Life Solutions do pagamento. Há, porém, depoimentos no processo que indiciam o contrário, como o de uma inspectora do fisco que ouviu um telefonema feito para um colega pela subdirectora-geral da Inspecção Tributária a perguntar o que se passava, porque “tinha sido chamada ao gabinete do secretário de Estado por causa daquele contribuinte”.
André Ventura foi um dos técnicos que teve de se pronunciar sobre a cobrança de IVA, por um lado, e, por outro, sobre uma declaração entregue ao fisco pela empresa de Lalanda e Castro, na qual o Ministério da Saúde líbio se assume como sujeito fiscal passivo – e cuja autenticidade chegou a despertar dúvidas aos inspectores, até porque lhe faltava o selo branco através do qual a diplomacia portuguesa reconhece a assinatura dos funcionários estrangeiros.
Três anos passados, o candidato do PSD a Loures diz recordar-se mal da situação. Em declarações ao PÚBLICO, explicou que pensa nunca ter sequer produzido um parecer escrito sobre estas questões. Duas antigas colegas suas disseram à Polícia Judiciária que auxiliou na redacção do projecto de decisão final do fisco. “Acho que não assinei nada”, repete André Ventura, que se lembra, porém, de ter estudado a questão da exigibilidade do imposto, e também de ter, a propósito do mesmo caso, discutido com os colegas os indícios de falsidade no direito fiscal. Mas garante ter-se esquecido da posição que defendeu na altura – se a cobrança ou a isenção de IVA. Se pressões ou interferências houve por parte da hierarquia, diz que não deu por elas: “Teria sido o primeiro a denunciá-las”.