“Ninguém aqui quer ser mártir. Realmente não tivemos outra opção”

Em Bruxelas, Raül Romeva afirmou que se o “sim” vencer no referendo, “a independência será declarada em 48 horas”. Na sua passagem por Lisboa, foi mais conciliador.

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Raül Romeva diz que quer uma proposta em cima da mesa FRANCOIS LENOIR/REUTERS

O presidente da Generalitat já disse que a declaração unilateral de independência não está prevista, para afirmar o contrário, dias depois. São tempos duros para Raül Romeva, conselheiro dos Negócios Estrangeiros (equivalente a ministro) catalão. Romeva falou ao PÚBLICO depois de uma conversa com académicos e políticos promovida pela Universidade Autónoma de Lisboa, na quarta-feira.

Diz que o referendo só seria cancelado se Madrid afirmasse ‘vamos conversar para que em cinco anos haja referendo’. Isso não vai acontecer.
Se isso não acontecer, a percepção é que não há alternativa. Na Catalunha, há uma sensação de inevitabilidade. Não estamos a realizar este processo desta maneira por querermos ser mártires, ninguém aqui quer ser herói. Realmente não tivemos outra opção.

É possível que o governo catalão perca o controlo? As associações pró-independência, como a Associação Nacional Catalã e a Òmnium, estão absolutamente empenhadas em levar isto até ao fim.
Eu considero-me mais parte da sociedade civil. Aceitei liderar esta lista [Juntos pelo Sim] porque a sociedade civil me pediu. Não sou da Esquerda [Republicana da Catalunha], não sou da Convergência [partidos que integram a coligação no poder]. Eles disseram-me, ‘queremos um presidente de lista que seja independente’, e eu, como o partido onde estava, a Iniciativa [Iniciativa Per Catalunya Verds] não tinha a mesma opinião que eu neste tema, aceitei. É verdade que os partidos têm ido atrás destes grupos, não ao contrário. O problema é que em Madrid se pensou, ‘bem, eliminamos [Artur] Mas” e isto vai desaparecer.

Mas se na segunda ou terça-feira a Generalitat não declarar unilateralmente a independência, estas associações não vão pressionar-vos? Sabe-se que têm um plano que envolve desobediência civil, greves gerais indeterminadas…
Eu creio que há uma solução. Se a dia 1 ou 2 ou 3 de Outubro Madrid disser que quer falar, nós estamos disponíveis. Até que isso aconteça não há nada a fazer. A minha pergunta ao Estado é sempre a mesma: ‘acreditam que se eu for preso não surgirá outro a fazer o meu papel?’. Eles pensam que se nos travarem o problema desaparece. Mas não é verdade. Virão outros, 15 mil mais. E depois, o que é que podem fazer, pôr dois milhões de pessoas na cadeia? É um momento muito complicado.

Madrid fez o que considera ser o suficiente para tornar o referendo ilegítimo.
Sim, criou o caos, isso conseguiu. Mas a mim o que me importa é o dia 2. Eles sabem, até eles admitem, que podem ganhar a batalha mas que já perderam a guerra. Talvez consigam pela força que não façamos o referendo que queríamos – isso já conseguiram. Mas não pensam que no dia 2 as pessoas vão agir como se não se tivesse passado nada.

Pode acontecer que em termos de consequências este referendo se limite a um 9-N (o referendo consultivo de 2014), ou isso já é impossível, até por causa da acção do Governo?
Isto não é 9-N nenhum. No 9-N não havia sete mil polícias nas ruas. E há aqui outra coisa, um aspecto muito grave. Em Espanha, estamos neste momento no nível 4 em 5 de segurança, desde os atentados de Barcelona, o 5 é ‘estado de emergência’. E temos 7000 efectivos da Guarda Civil na Catalunha à procura de boletins de voto... Do ponto de vista das prioridades, isto faz sentido?

Oficialmente, não há países a apoiarem o referendo (com excepção da Suíça e grupos de deputados britânicos), e a União Europeia pouco diz. Mas desde que as operações policiais começaram a posição dos seus interlocutores internacionais alterou-se?
Está a mudar por duas razões. Antes do dia 6 de Setembro a percepção era que isto não ia acontecer. Nós dizíamos que queríamos conversar e o Estado dizia, ‘não, na verdade não querem’. A partir daqui houve uma mudança. Madrid dizia aos outros países que nós eramos quatro gatos pingados teimosos. Mas agora viu-se que isso não é verdade. Somos mais do que quatro e as pessoas saíram à rua em defesa do processo e contra as acções do Governo central. Nós só queremos uma proposta em cima da mesa, não podem é obrigar-nos a tirar a nossa. Negociar é chegar a um acordo, fazer cedências. Para me sentar não tenho de ceder, para negociar sim.

A Catalunha pode continuar a fazer parte de Espanha?
Se do Estado vier uma proposta de revisão do Estatuto melhor para a Catalunha podemos votar essa proposta e, ao mesmo tempo, a independência. Mas chegámos a um ponto em que têm de nos deixar defender a nossa proposta. Se as pessoas preferirem outra, a vida continua, sem nenhum problema. Mas tem de haver uma proposta da outra parte e têm de nos permitir defender a nossa.

Isso nunca vai acontecer com o presidente do Governo, Mariano Rajoy, a não ser que Bruxelas se envolva e pressione nesse sentido.
Sim, Rajoy não dará esse passo. Na Catalunha há a sensação de que Espanha pode fazer o que quiser e não acontece nada, ao contrário de países como a Polónia ou na Hungria. E há uma certa frustração, estão a deter pessoas, estão a encher as ruas de polícia, e ninguém faz nada.

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