História de tensão entre Centeno e Carlos Costa tem mais um capítulo

Carlos Costa falou das tentações dos governos para reduzir a independência dos bancos centrais. As Finanças pediram que o governador se retractasse.

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Mário Centeno e Carlos Costa: relação difícil nos últimos dois anos Daniel Rocha
Mário centeno e Carlos Costa: relação difícil nos últimos dois anos
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Mário Centeno e Carlos Costa: relação difícil nos últimos dois anos Daniel Rocha

Foi quando fez, numa conferência organizada pelo Banco de Portugal, a apresentação de Yves Mersch, membro da comissão executiva do BCE, que Carlos Costa decidiu falar da forma como, em todo o mundo, os bancos centrais vêem a sua independência ser ameaçada. “A tentação de reduzir a independência dos bancos centrais não é só dos países do sul. (…) Não é só uma questão dos portugueses, coloquem dinheiro num lado qualquer e a tentação vai surgir”, disse o Governador. O Ministério das Finanças não gostou do que ouviu e, passados poucos minutos, vinha a público mais um momento de tensão entre o banco central e o Governo.

As declarações de Carlos Costas foram vistas pelo ministério liderado por Mário Centeno com uma acusação directa de tentativa de ingerência do Executivo nas funções do banco central. Em declarações feitas ao jornal online Eco e depois reiterada ao PÚBLICO, fonte oficial do Ministério das Finanças disse que o que foi dito pelo governador era “lamentável”.

“Nunca foi essa a postura nem a forma como o Ministério das Finanças se relacionou com o Banco de Portugal. Esperamos que o Sr. Governador se retracte das declarações que fez, em nome de um relacionamento institucional saudável”, afirmou.

Contactados pelo PÚBLICO, fonte oficial do Banco de Portugal preferiu não fazer qualquer comentário, não havendo indicação de que o governador venha a responder ao apelo do Governo para uma retractação.

O ambiente de tensão entre Finanças e banco central não é uma novidade. Durante os últimos dois anos, têm sido evidentes as divergências e dificuldades de entendimento em diversas matérias. Logo de início, o Governo mostrou em público as suas críticas à forma como o governador do Banco de Portugal decidiu, no final de 2015, transferir para o BES “mau” nova dívida do Novo Banco.

Mais tarde, quando o Governo estava a ser pressionado pelas autoridades europeias a apresentar resultados orçamentais, foram também públicas as dificuldades das duas partes em chegar a um entendimento sobre o valor dos dividendos a distribuir pelo Banco de Portugal ao seu accionista Estado.

Agora, estes novos sinais de tensão surgem numa fase em que o potencial para o conflito é novamente elevado. Por um lado, durante a semana passada, foi apresentada uma proposta de reformulação do modelo de supervisão financeira em Portugal – preparada por um grupo de trabalho nomeado pelo Governo - e que tem, entre as principais novidades, a entrega da liderança da autoridade nacional de resolução bancária a um administrador indicado pelo Ministério das Finanças e a alteração da forma como é nomeado o governador do Banco de Portugal.

Por outro, é precisamente neste momento, na fase de preparação da proposta do Orçamento do Estado para 2018, que o Governo discute com o Banco de Portugal qual o valor dos dividendos que serão entregues pelo banco central ao Estado no próximo ano.

Em causa estão valores que podem ser decisivos para o cumprimento das metas orçamentais. Do lado do Governo, tal como já aconteceu em 2017, prevalece a ideia de que o impacto muito positivo do programa de compras de dívida pública do BCE nos resultados do Banco de Portugal se deve reflectir num aumento dos dividendos distribuídos. No entanto, no banco central, principalmente em 2016 mas também em 2017, tem-se insistido na aplicação de uma política de provisões bastante prudente, que reduz o montante de dividendos entregues.

Depois de em 2016 ter entregue 186 milhões ao Estado, em 2017 o Banco de Portugal distribuiu 352 milhões em dividendos. Para 2018, calcula um estudo publicado na semana passada por quatro economistas, incluindo o deputado do PS Paulo Trigo Pereira, existe a expectativa de que o facto de o Banco de Portugal ter no seu balanço cerca de 28 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa permita um novo acréscimo dos dividendos, que podem ajudar as contas públicas em mais 470 milhões de euros. O valor final, contudo, depende da política de provisões e distribuição de dividendos que o Banco de Portugal possa seguir.

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