Alemanha, a Jamaica da Europa
Agora que a Alemanha parte à descoberta política da Jamaica, é importante que no resto da Europa se mantenham as devidas proporções sobre o que é interno e o que é europeu nestas eleições.
Após tantos anos em que nos queixámos da política alemã como sendo monótona, uma das poucas certezas destas eleições na Alemanha é que vamos poder deixar de nos queixar disso. Para passarmos, provavelmente, a queixar-nos de outras coisas mais importantes.
Os dois partidos que mais cresceram nas eleições alemãs, AfD e FDP, são opostos por princípio à própria noção de solidariedade — com os refugiados ou com o resto da União Europeia. O AfD, partido de uma extrema-direita que regressa ao parlamento alemão pela primeira vez desde a IIª Guerra Mundial, fez da desumanidade a sua política de refugiados: uma das suas representantes disse em tempos que os refugiados deveriam ser recebidos a tiro na fronteira. O FDP, partido liberal de pergaminhos europeístas nos tempos de Hans-Dietrich Genscher, fez agora da política anti-euro a estratégia para poder regressar ao parlamento: a plataforma eleitoral dos liberais alemães foi desenhada para contrariar em tudo as propostas de reforma do euro que chegam da França e dos países do Sul.
Não há, pois, como dourar a pílula. As eleições alemãs correram mal à Europa e, em particular, ao sul da Europa.
É preciso, porém, ter cuidado com o catastrofismo. Sim, a extrema-direita entrou no parlamento alemão. Mas a história política recente em França e no Reino Unido já nos ensinou que o problema mais sério é o contrário: quando o sistema está desenhado para impedir a extrema-direita de entrar no parlamento e acaba por insuflar a sua capacidade de agir por fora da política banal e comezinha do dia-a-dia. A AfD estará no parlamento alemão com os seus 13% para se testar, mas também para se expor, junto dos cidadãos alemães. O ciclo eleitoral desde 2013 já mostrou a AfD a subir, mas também a descer. Por muito frémito que se provoque em torno deles, não está garantido que tenham um caminho ascendente à sua frente como sucedeu com a Frente Nacional em França (antes de terem assustado os eleitores com a saída do euro).
Por outro lado, o derrotado candidato social-democrata, Martin Schulz, tomou ontem a única atitude que possibilita ao seu SPD um papel positivo no futuro, prometendo que o seu partido não continuará no governo com Merkel. Com isso garante que a extrema-direita não será a oposição oficial na Alemanha, e liberta o SPD para uma caminhada que lhe poderá valer o regresso às vitórias daqui a quatro anos, quando é possível que a sua adversária já não seja uma Angela Merkel a caminho do que então seria o seu quinto mandato.
Resta assim uma única coligação maioritária possível na Alemanha: a já famosa (mas nunca experimentada a nível federal) “Coligação Jamaica”, assim chamada porque as cores dos partidos que a compõem são as da bandeira jamaicana: preto (os cristãos-democratas da CDU), amarelo (os liberais do FDP), e verde (dos Verdes, é claro). Mas os Verdes e os liberais do FDP detestam-se e o que defendem para a UE está em pólos opostos. As primeiras reações dos Verdes são no sentido de só poderem aceitar ir para o governo se houver alguma continuidade nas políticas pró-refugiados de Merkel e abertura em relação às propostas para o euro vindas do Sul e da França. Esta será uma coligação, se não instável, pelo menos bastante acrimoniosa.
Agora que a Alemanha parte à descoberta política da Jamaica, é importante que no resto da Europa se mantenham as devidas proporções sobre o que é interno e o que é europeu nestas eleições.
A pior coisa que os restantes governos da UE podem fazer é tratar o drama político alemão como se fosse o seu próprio. Entramos em dois anos decisivos para o euro, até à saída de Mario Draghi do BCE, em 2019. É expectável, e até legítimo, que a Alemanha não queira pagar pelos outros países. Mas já não será legítimo que a Alemanha bloqueie a única outra possibilidade para assegurar a estabilidade do euro e garantir o futuro da UE: um orçamento europeu de coesão, reforçado a partir de recursos próprios da União, por exemplo oriundos da taxação das multinacionais. É essa proposta que os países do Sul devem pôr em cima da mesa, conjuntamente com a França, ultrapassando de vez a descoordenação e o vazio de ideias de que padeceram no passado.