Martin Schulz: o milagre que não aconteceu
Saiu do Parlamento Europeu para enfrentar a chanceler e ficou sem espaço para respirar. O velho partido de Willy Brand vai ter de fazer a sua introspecção.
Na última semana de campanha, quando já tudo parecia perdido, Martin Schulz, deu uma entrevista à Spiegel tentando explicar o que correu mal. Soava a último queixume do homem que deixou a presidência do Parlamento Europeu para se candidatar contra Angela Merkel. Em Janeiro deste ano, quando a chanceler parecia, pela primeira vez, vulnerável, Schulz decidiu sair do conforto de Bruxelas para liderar o combate contra a chanceler. Jogou a cartada do outsider.
Esteve 23 anos no Parlamento Europeu, onde, durante a crise do euro, foi a face simpática e solidária da Alemanha. Levava consigo o mérito de ter dado visibilidade a uma instituição que viu os seus poderes reforçados no Tratado de Lisboa. Viveu a crise sem ter de prestar contas aos alemães. “Nunca fui um apoiante destas medidas de austeridade. Equilibrar o orçamento, reduzir a dívida pública é necessário, mas se não tivermos crescimento económico e emprego (…), nunca conseguiremos corrigir o défice no longo prazo”, disse em 2016, numa entrevista à Euronews. Várias vezes lembrou que os 80 milhões de alemães não são nada perante os mais de mil milhões de chineses.
Viu uma oportunidade na súbita quebra de popularidade da chanceler. Afastou Sigmar Gabriel, o ministro da Economia e, agora, dos Negócios Estrangeiros da “grande coligação”. Foi eleito candidato por uma maioria esmagadora. O milagre parecia estar a acontecer. As sondagens colocavam o SPD taco a taco com a CDU, coisa que não acontecia há muitos anos. Uma onda de entusiasmo varreu a campanha. O “enguiço” de 2005, quando o chanceler Gerhard Schröeder perdeu as eleições para Merkel por uma pequena margem, parecia finalmente quebrado. O SPD tinha pago um preço elevado pelas reformas de Schröeder para abanar a economia alemã, que se arrastava penosamente. Os sociais-democratas acusavam-no de ter alienado o apoio dos poderosos sindicatos alemães.
Mas em seis meses Schulz viu a chanceler recuperar a sua popularidade e continuar a ocupar tranquilamente o centro político, roubando-lhe espaço para respirar. A Europa começava a dar sinais de recuperação. A economia alemã comportava-se bem e o desemprego atingia níveis historicamente baixos. Em Bruxelas era fácil criticar a política europeia da chanceler. Em Berlim era mais difícil. A estratégia do candidato que vinha de fora obrigava-o a criticar um governo que incluía o seu próprio partido. Sigmar Gabriel não gostou. “Gosto de dizer que Angela Merkel é uma boa chanceler, desde que o SPD tome conta dela”. Schulz virou à esquerda. Identificou-se com Bernie Sanders. Usou a tecla pacifista, acusando Merkel de querer aumentar a despesa militar e criticando qualquer cooperação com os Estados Unidos de Trump. Não enjeitou uma reaproximação à Rússia. Houve uma altura em que quase conseguiu encontrar um tema que o poderia distinguir de Merkel: o enorme crescimento das desigualdades. As sondagens voltam a dar ao SPD pouco mais de 20%. O que fará Schulz da derrota? Depende do seu tamanho.
O livreiro
Quem é, afinal, este alemão de 61 anos, casado, dois filhos, cordial, que provavelmente não ficará na História? Nasceu numa família modesta na pequena cidade mineira de Aachen, junto à fronteira com a Bélgica e com a Holanda. Gosta de falar do seu avô, católico, que trabalhou nas minas de carvão e que se orgulhava de “nunca ter pronunciado as palavras Heil Hitler”.
Abandonou os estudos para prosseguir o sonho de ser livreiro. Aderiu ao SPD com 19 anos. Passou por uma crise pessoal que o levou ao álcool e ao desespero. Curou-se. A sua carreira política não teve grande visibilidade nacional. Abriu a sua livraria, que manteve durante 12 anos. Leu todos os livros do historiador britânico Eric Hobsbawm.
Foi eleito para o Parlamento Europeu em 1994. Presidiu ao Grupo dos Socialistas e Democratas. Nas últimas eleições para o PE, já à luz dos novos poderes do Tratado, foi o candidato dos socialistas a presidente da Comissão Europeia, contra Jean-Claude Juncker, do Partido Popular. Não ficou com a Comissão, mas conseguiu fazer-se reeleger Presidente do PE.
Navegou a crise com prudência, tentando manter o espírito europeu quando as políticas de Berlim cavavam divisões profundas entre o Norte e o Sul ou a extrema-direita de Marine ou de Farage radicalizava o discurso contra a Europa. Os poderosos sindicatos da indústria dificilmente voltarão ao redil social-democrata. Alguns dos seus filiados passaram-se de armas e bagagens para a Alternativa para a Alemanha. O mesmo já aconteceu noutros países europeus.
O velho partido de Willy Brandt, cuja história se confunde com a tragédia alemã do século XX, vai ter de fazer a sua introspecção. Citando o Politico, o SPD continua a ter um passado glorioso mas um futuro incerto.