Em nome da lei, Madrid abre guerra sem recuo ao governo catalão

Pelo menos 13 membros da Generalitat foram detidos. Líderes catalães dizem que o Governo central “suspendeu, de facto, a autonomia catalã”. Rajoy pede aos independentistas que "evitem males maiores".

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Manifestantes impedem a polícia de entrar na sede do partido de esquerda CUP Albert Gea/Reuters

O presidente do município catalão de Sabadell, Maties Serracant, anunciou esta quarta-feira a “suspensão das actividades”, justificando que a instituição “não pode continuar com normalidade” face a tudo o que está a acontecer na Catalunha. Serracant diz que a autarquia deixa de funcionar “até nova data” e pede aos cidadãos que participem nas diferentes mobilizações que se organizarão na localidade.

A decisão de Serracant parece insignificante, quase ridícula, mas é um bom símbolo do que se passa na região autonómica. O braço-de-ferro entre Madrid e Barcelona por causa do referendo sobre a independência que a Generalitat quer realizar a 1 de Outubro (e que o Tribunal Constitucional já suspendeu) passou para um novo nível, um nível que se antecipava como inevitável mas que pode ter consequências a longo prazo ainda impossíveis de adivinhar.

A 12 dias do referendo aprovado pelo parlamento catalão e que Mariano Rajoy garante que nunca se irá realizar, a polícia espanhola deteve altos responsáveis da Generalitat e ocupou vários departamentos do governo catalão. Ao início da noite chegaram a estar perto de 40 mil pessoas concentradas no centro de Barcelona, entre a Gran Via e a Praça da Catalunha, para defender a Generalitat e o direito ao voto.

As detenções, 16 ao todo, aconteceram muito cedo, na sua maioria, antes que os visados chegassem aos locais de trabalho. Foi o que aconteceu com os 13 responsáveis da Generalitat, membros dos departamentos de Economia, Presidência, Exteriores e Governação. Muitos fazem parte da equipa do vice-presidente do governo, Oriol Junqueras, e seriam o núcleo duro da organização do referendo. Entre estes conta-se o seu “número dois” e secretário-geral de Economia e Finanças, Josep Maria Jovè.

Ao longo do dia, repetiram-se momentos de tensão entre a polícia e os manifestantes mobilizados diante do Departamento de Economia da Generalitat ou em redor da sede CUP (Candidatura de Unidade Popular), o partido de extrema-esquerda que somado aos deputados da coligação Juntos pelo Sim (Esquerda Republicana da Catalunha mais Partido Democrata Europeu Catalão) compõe a maioria independentista no parlamento catalão. Aqui, a polícia pareceu estar diversas vezes prestes a avançar, mas acabou por abandonar o local para não enfrentar os apoiantes que cercavam o edifício.

Para o presidente catalão, Carles Puigdemont, “o estado de emergência está em vigor” e a “autonomia já foi suspensa”. Para o primeiro-ministro, trata-se da defesa da “democracia” e do “Estado de direito”, e aquilo que os polícias e os tribunais fizeram foi “defender os direitos de todos os espanhóis, incluindo os catalães”. “Não continuem, estão a tempo de evitar males maiores”, pediu Rajoy aos independentistas.

Para além das detenções, foram apreendidos quase 10 milhões de boletins de voto numa gráfica (os seus proprietários estão entre os detidos), material como as listas dos eleitores e a organização das mesas eleitorais, assim como 45 mil cartas que a Generalitat pretendia fazer chegar aos cidadãos sorteados para estar nos colégios eleitorais.

Das sedes dos departamentos (equivalentes a ministérios) do governo autonómico, do Centro de Telecomunicações e Tecnologias da Informação e da Fundação puntCAT (que gere os domínios .cat) foram confiscados ainda inúmeros documentos e computadores.

“Presos políticos”

Ao mesmo tempo, dias depois de o Ministério das Finanças ter colocado a gestão do orçamento da Generalitat sob a sua tutela, o ministro Felipe Martínez Rico retirou aos líderes catalães a gestão do dinheiro que ainda lhes restava, fruto dos impostos regionais, e enviou instruções para os bancos com a lista das quase 300 instituições que precisam de “controlo especial”, por se suspeitar que as suas contas possam ser usadas para gastos ou pagamentos relacionados com a organização do referendo.

Sem que o Governo central anunciasse a aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola, uma espécie de suspensão da autonomia, é isso, na prática, que os líderes catalães acusam Rajoy de ter feito. Com ele tem dois dos maiores partidos da oposição em Madrid, o PSOE e os Cidadãos. Contra está o Podemos, de Pablo Iglesias, que descreveu os detidos como “presos políticos” e as formações nacionalistas com assento no Congresso.

Aproveitando a ida do ministro das Finanças à Câmara dos Deputados para se explicar sobre a retirada da gestão orçamental à Generalitat, Ester Capella i Farré, deputada da Esquerda Republicana da Catalunha, acusou o Governo de “aplicar o artigo 155 pela porta de trás, sem a aprovação do Congresso” que a Constituição exige. “Com esta acção coordenada, o Governo suspendeu, de facto, o governo da Catalunha, e aplicou o estado de excepção”, denunciou, antes de abandonar o hemiciclo para se juntar aos que em Madrid quiseram concentrar-se em solidariedade com os líderes catalães.

Dificilmente esta escalada não veio para ficar. Para domingo, estão marcadas mobilizações diante de todos os municípios catalães. E uma semana depois, segundo Puigdemont: “Levaremos o boletim de casa e iremos votar”.

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