Ele dedica-se a homenagear pessoas com sucesso e chama a isso fazer turismo pessoal
Manuel Andrade idealizou e produziu eventos culturais como Escritaria, Plast & Cine e Concelho de Estado, onde trabalhou com Saramago, Lobo Antunes, Mia Couto, Urbano, Agustina, Mário Soares ou Gorbatchov. Agora vai arrancar com o Success Full, que começa com uma homenagem a Fernando Nobre
Manuel Andrade tem 48 anos, mas parece que já viveu muitas vidas. É autor de seis livros, editou centenas de outros e organizou algumas dezenas de eventos. Foi trabalhador-estudante, vendedor de automóveis, psicólogo clínico. Hoje é fundador de uma empresa de comunicação, a Idioteque, que editou vários livros (entre eles, Empresariato, da autoria de vários investigadores e que analisa empresas de sucesso, ou Casos de Sucesso nos Municípios Portugueses, da autoria de um conjunto de professores universitários), já organizou vários eventos e prepara-se para dar o pontapé de saída num ciclo de acontecimentos que sabe como começa (com data marcada no próximo dia 23 de Setembro) mas que não se atreve a prever como, quando, onde e com quem vai acabar.
A empreitada a que se propôs Manuel Andrade não será tarefa fácil nem rápida. E ele é o primeiro a ter noção da grandiosidade do empreendimento, porque é também o primeiro a sublinhar a largueza do espectro em que assenta aquela palavra. Serão os bens materiais? A realização profissional? A familiar? Ou será, antes, “ter cabeça limpa, andar tranquilo, viver em paz”? Manuel Andrade não sabe. Mas quer saber. Porque acha que uma definição de sucesso até pode ser “vislumbrar o pai junto da gaiola do canário amarelo, vê-lo entretido a dar-lhe uma couvinha”. Sim, “se calhar sucesso e felicidade quase são sinónimos”, diz. “O sucesso que eu estou a avaliar é qualitativo. Logo, vai confundir-se com a felicidade”, argumenta.
A 23 de Setembro, a primeira pessoa que vai responder à pergunta “o que é o sucesso?” é Fernando Nobre, fundador da Assistência Médica Internacional (AMI). A iniciativa vai decorrer no Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, e contará com a presença, como palestrantes, do jornalista José Manuel Barata-Feyo, do médico António Gentil Martins, do cozinheiro Hélio Loureiro e do ex-procurador José Marques Vidal.
Para além do momento presencial em que as quatro personalidades estarão à volta da mesma mesa numa discussão pública e aberta sobre o que foi e é o sucesso de Fernando Nobre no âmbito humanitário e social, seguir-se-á um momento mais virado para as redes sociais. Cada personalidade será: 1.) convidada a fazer uma declaração de cerca de três minutos para vídeo sobre o que é para si o sucesso; 2.) deixar duas ideias para um mundo com mais sucesso, realçando uma causa social de sucesso; 3.) convidar duas outras personalidades para fazerem idêntica declaração.
“É uma espécie de mix que conjuga a ideia multiplicadora central do filme Favores em Cadeia [realizado por de Mimi Leder] com o projecto Humano [documentário de Yann Arthus-Bertrand]”, resume Manuel Andrade, antes de explicar melhor ao que vem: “Já que vou estar com figuras de sucesso, vou implicá-las a darem luz e relevo a causas de sucesso. Algumas são conhecidas, como a da AMI. Mas outros não estão envolvidos [na causa social]. Vamos falar de sucesso, mas com uma responsabilidade social associada”, explica.
Andrade já sabe quem Fernando Nobre convidou para fazer os depoimentos. E entretém-se a adivinhar para onde esses convidados irão endereçar novos desafios. Para já, faz segredo disso.
Desafios
Não foi sempre fácil montar estes projectos, nem foi automático encontrar parceiros que acreditassem no potencial das suas ideias. O primeiro impulso era duvidar que os eventos pudessem atingir a dimensão que Manuel Andrade sempre acreditou que atingiriam. “Mas depois lá me vão levando a sério, e as coisas acabam por se concretizar”, sorri. Exemplifica: em 2009, trouxe o realizador brasileiro Fernando Meirelles para participar numa homenagem a José Saramago (no Escritaria); em 2010, levou Manoel de Oliveira para falar sobre Agustina Bessa-Luís (no mesmo festival literário); também em 2010 anunciou o projecto ambicioso de levar Mário Soares a Arcos de Valdevez para homenagear Mikhail Gorbatchov, numa sessão onde seriam visionados depoimentos de George Bush-pai (e assim aconteceu com o evento Concelho de Estado).
Diz que agora tudo lhe é um pouco mais fácil, até porque as experiências passadas ajudam a compor o currículo e dão credibilidade às intenções que anuncia às autarquias e instituições que convida a associar-se à realização de determinado evento: Escritaria, festival de literatura que decorre todos os anos em Penafiel; Plast & Cine, cuja primeira sessão foi organizada em Lamego para homenagear as artes plásticas; Concelho de Estado, realizado por duas vezes em Arcos de Valdevez, e onde tiveram lugar palestras e exposições sobre estadistas, como Mário Soares ou Mikhail Gorbatchov.
Quando começou a organizar estes eventos, em 2008, não conhecia nada nem ninguém. Foi para dar resposta a um convite da Câmara de Penafiel, que o desafiou a desenvolver um festival literário, que pensou em convidar Urbano Tavares Rodrigues. “Fomos [com António Castanheira, que co-organizou o Escritaria] a casa dele, bati à porta, ele próprio abriu. Era uma excelente pessoa. O príncipe dos escritores. Até para os mais jovens, lia os livros, escrevia cartas, olhava por nós. Preocupava-se mesmo, genuinamente”, recorda. Urbano aceitou, com a condição de poder, eventualmente, não estar presente dada a sua debilitada condição física.
Urbano não esteve de facto presente, mas gostou tanto do que lhe fizeram que ele próprio telefonou ao autor convidado para o ano seguinte. “Ligou a José Saramago e disse-lhe: fizeram-me aqui uma coisa tão bonita. Tens de aceitar.” Saramago aceitou. Depois seguiram-se António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto. E, depois, Manuel Andrade vendeu a empresa que fundou e que ainda hoje organiza o festival. Este ano, o escritor convidado é Miguel Sousa Tavares. O mesmo aconteceu com Plast & Cine, evento que homenageou nomes como Emília Nadal, José Rodrigues, Cruzeiro Seixas e Roberto Chichorro. São marcas e eventos que agora pertencem a outros, mas que diz acompanhar com carinho, como fossem filhos queridos que se emanciparam.
“Se calhar nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas afinal eu andei sempre a trabalhar e a pensar o sucesso. O Escritaria não são só apenas convidados a falar sobre um escritor. É arte de rua, que manifesta toda a vida do escritor, são os miúdos das escolas a trabalhar a vida do escritor. São personagens de relevo reconhecidas e importantes como o próprio homenageado”, sintetiza.
Turismo pessoal
Ter o privilégio de conviver ao longo de quase seis meses com personagens como Lobo Antunes ou Saramago, Mário Soares ou Gorbatchov (“precisei desses convívios para poder preparar as sessões”, explica) é a maior fortuna que leva destes eventos. “Há quem viaje para conhecer países e paisagens. Eu viajo para conhecer pessoas. Chamo a isso turismo pessoal”, provoca. E começa a enumerar as “viagens” mais marcantes: “Conhecer o Urbano marcou-me muito. Um homem absolutamente dado aos outros e com uma riqueza literária, cultural e vivência enormes… Estamos a falar de um homem que era amigo do Fidel Castro”, começa. Continua com Saramago: “Foi conhecer o maior observador que eu já vi em toda a minha vida. Está muito calado a uma mesa e depois lança uma frase sibilina sobre quem tu és, e fica-se nu.” Saramago “despiu-o” logo perguntando-lhe de que livro tinha gostado mais. “Expliquei-lhe que os tinha lido todos” e que o preferido era Todos os Nomes. Passa para Gorbatchov, “um homem sem medo de nada, o mais corajoso do mundo”, e segue para Lobo Antunes, “com aquele jeito muito próprio, 'desafiante', que respira literatura. É aparentemente brusco, mas é a máscara dele. Cada um tem a sua”.
As máscaras, Manuel Andrade aprendeu a lê-las quando exerceu psicologia clínica. Acompanhou durante oito anos — em consultório privado e em contexto hospitalar — doentes terminais. Alguns deles acabaram a inspirar personagens dos romances que já escreveu. É o caso de um velho truculento e irascível que se tornou a personagem principal de Três Bichos te Esperam, Quatro te Comerão, lançado em Abril de 2014 e até agora o seu maior sucesso de vendas. “Também foram viagens importantes, naquela lógica do turismo pessoal. Mas aqui encontrava o lado mais negro das pessoas. Agora, com o Success Full trabalho mais o lado luminoso.”
Toda esta conversa decorreu com Manuel Andrade sentado à mesa da pastelaria Moura, em Santo Tirso, famosa pelos seus jesuítas, um bolo da região. Ele aponta para a frase da sua autoria que está plasmada na parede: assinado Manuel Andrade, escritor — mas ele sabe que ainda não chegou a hora de se dedicar exclusivamente à escrita, e poder terminar os dias, como gostaria, numa casa perdida no interior do país, pode ser Douro, pode ser Beira, pode ser Alentejo. Só precisa de ser longe de tudo e de quase todos. “Ainda não chegou o meu sucesso. Mas é para esse que vou lutar”, avisa.
Entretanto, tem muitas homenagens para fazer. E aponta para “o mais humano e inspirador homem do nosso tempo: Papa Francisco”. “Admiro-lhe a coragem, a assertividade, a genuinidade, a oportunidade das declarações, os valores que defende (começando pelo ambiente), a forma como transforma pelo exemplo, o olhar e os gestos que não enganam”, explica. “Não creio, contudo, que a sua função e atitude perante as honrarias me permitam, sequer nos meus melhores sonhos, homenageá-lo. Se contar com o seu depoimento — e lutarei por isso até mais não poder —, já serei um homenageante muito feliz”, termina.