Importa-se de repetir, senhor ministro?
Azeredo Lopes não faz ideia do que aconteceu em Tancos, tal como não fazia ideia se José Sócrates estava ou não a tentar controlar a comunicação social.
José Alberto Azeredo Lopes tem uma certa tendência para não ver um palmo à frente do nariz, e sempre que o alertam para tão desagradável facto dá longas entrevistas a dissertar sobre o significado das palavras “palmo” e “nariz”. Tem sido assim como ministro da Defesa, como já tinha sido assim como presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação, entre 2006 e 2011. Em geral, as pessoas com vocação para fechar os olhos e fugir às responsabilidades esforçam-se por passar invisíveis entre os pingos da chuva. Azeredo, não. Ele esconde-se à frente das câmaras, assumindo energicamente a sua ablepsia. Não vê, não sabe, mas orgulha-se de não ver e de não saber, com o curioso argumento de que a sua cegueira e ignorância são meras manifestações de ponderação, recato institucional e lucidez.
Azeredo Lopes não faz ideia do que aconteceu em Tancos, tal como não fazia ideia se José Sócrates estava ou não a tentar controlar a comunicação social. Reparem: na altura dos seus magníficos relatórios da ERC, ele não dizia propriamente que não havia pressões. Dizia apenas que não havia forma de saber se as pressões haviam sido suficientemente pressionantes e, portanto, in dubio pro reo. Já perguntava Pilatos: “Que é a verdade?” Azeredo tem a mesma dúvida, até porque ela lhe é bastante útil para sobreviver politicamente. É a velha tese marxista, tendência Groucho: “Estes são os meus princípios e, se não gostarem, tenho outros.” Sim, Sócrates pode ter atentado contra o Estado de direito – ou talvez não. Sim, as armas em Tancos podem ter sido roubadas – ou talvez não. É um tipo de miopia muito particular, ufana e jactante, que costuma produzir artigos de opinião coloridos e entrevistas catitas, como é o caso daquela que concedeu este domingo ao Diário de Notícias.
O ministro da Defesa aprendeu com José Sócrates que não interessa a lógica do que se diz desde que seja dito de forma enfática. E ele enfático é. Só que – convém nunca esquecer – estamos a falar do homem que achava que o “pluralismo político-partidário” em Portugal devia ser defendido de cronómetro na mão, medindo peças de telejornais e os minutos que Marcelo e Vitorino gastavam nos seus comentários televisivos. Na entrevista, sempre fiel ao marxismo tendência Groucho, Azeredo tanto se mostra enfastiado com a questão das responsabilidades políticas – “vivemos quase obcecados com a lógica sacrifical, com a questão da culpa” –, como manifesta a sua solidariedade para com as preocupações do Presidente da República quanto ao apuramento de responsabilidades. O seu discurso corre para um lado, salta para o outro, dá duas piruetas, faz a roda e, no final, resta sudação e nada mais. Após quatro páginas em letra miúda, estamos tão desinformados como no princípio da entrevista. A gente pergunta: “Para que foi isto?” Não é fácil perceber.
Há quem jure que o divertido título da entrevista – “Não sei se alguém entrou em Tancos. No limite, pode não ter havido furto” – é apenas ironia. Não me parece. Acho que ele não faz mesmo a menor ideia. Aliás, é provável que só tenha decidido falar sobre Tancos para que se notasse um pouco menos que, ao fim de três meses, não tinha nada para dizer. Apesar do seu grande talento na área da camuflagem, onde partilha com Augusto Santos Silva e outros camaleões uma grande capacidade para mudar de cor conforme as circunstâncias, o mandato de Azeredo Lopes está – para usar o vocabulário de Tancos – completamente obsoleto. Só falta desactivá-lo.