Temos de falar sobre o Papa

“A ciência é muito clara sobre as alterações climáticas. Quem as nega, será julgado pela História." Há duas conclusões a tirar desta declaração do Papa Francisco. A primeira: ele tem razão. A segunda: ele está na cadeira errada

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Alessandro Bianchi/Reuters

As alterações climáticas são reais e estão a deixar-nos à beirinha da extinção. É verdade. Mas também é verdade que ter o Papa do lado da ciência vai contra o livro de estilo da igreja católica. Não faz sentido o seu líder basear a sua opinião na ciência. É uma contradição, valha-me deus (tal como esta, vinda de um ateu praticante).

“A religião é o ópio do povo”, dizia Hegel, na introdução de uma das suas obras. Eu digo o mesmo, mesmo não sendo Hegel, mesmo sendo povo. Qualquer que seja a religião, é baseada em invenção, suposição, mentira. Os factos estão do lado da ciência.

No entanto, neste mundo dominado pela ciência, é um homem da religião que a vem defender. Não um homem qualquer, o líder. Enquanto o “líder do mundo livre” nega os factos, o “líder do mundo imaginário” alerta para eles. E não apenas factos científicos. Se o Papa condena o racismo, Trump incentiva-o; se o Papa recomenda que a igreja acolha os homossexuais sem os julgar, Trump repele o casamento gay. Nestes e noutros temas, tanto o Papa como Trump parecem defender o oposto do que as suas “pátrias” defendem (ficariam tão melhor se trocassem de cadeiras).

Não deixa de ser curiosa esta troca de papéis num mundo cada vez mais dominado pela ciência. É ela quem tem a bola, mas quem parece controlar o jogo é o irracionalismo, o medo, o preconceito, a ignorância. O líder do mundo tecnológico controla, cuspindo fogo; o líder do mundo fantástico joga de vez em quando, usando os neurónios.

O Papa Francisco deveria ser o vilão. Mas não é fácil odiá-lo (como devem ser odiados os vilões). É fácil odiar o Bin Laden, o Frankenstein e o Scar. É fácil odiar o Rei Claudius, o Kim Jong-Un e a Cersei Lannister. Até era fácil odiar o Papa Bento XVI — um líder perfeitamente representativo da igreja que liderava. Não é fácil, porém, odiar o Papa Francisco. Porque, mesmo representando o lado da religião, é um líder bom, simpático, ponderado, compreensivo, amável, tolerante e, essencialmente, humano.

Humanidade, venha ela de que lado vier, talvez seja o que nos esteja em falta. Não para que se encontre quem odiar, mas para que continue a haver História. Sem julgamentos. Mesmo com papéis trocados.

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