André Ventura: “Se eu for condenado, é a democracia portuguesa que é condenada”
Depois da queixa do BE, Ministério Público abre inquérito formal. Em causa estão as declarações consideradas racistas que o candidato do PSD a Loures fez sobre a comunidade cigana.
A 19 de Setembro, o candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures vai ser ouvido pelo Ministério Público, que abriu um inquérito formal na sequência da queixa que o Bloco de Esquerda apresentou contra as declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana.
Questionado pelo PÚBLICO sobre a notícia, avançada pelo jornal i, o candidato social-democrata confirma que foi notificado, mas garante confiar na “boa” justiça portuguesa e acredita que o processo vai ser arquivado. Caso contrário, alerta: “Se for condenado, não sou só eu que sou condenado, é a democracia portuguesa que é condenada.” Mais: “Espero que seja arquivado mas, se for a julgamento, que haja uma decisão forte para que ninguém seja inibido de dizer o que pensa.”
André Ventura recusa haver nas declarações que fez, ao jornal i e ao site Notícias ao Minuto “qualquer incitamento ao ódio e à violência”. Para o candidato, o que está em causa é a liberdade de expressão: “Os inquéritos abrem-se para apurar indícios de crime e os agentes responsáveis. Aqui parece-me evidente que estamos no domínio da liberdade de expressão e opinião. Era o que faltava em política não se poder discutir etnias, minorias e grupos sociais.”
O candidato – a quem o CDS retirou o apoio na sequência da polémica – diz também não perceber “esta necessidade de se substituir a política pela justiça”, de se querer “policiar o pensamento e substituir a vontade dos eleitores pela justiça”.
Apesar de ter sido altamente criticado, e acusado de racismo e xenofobia, tanto pela esquerda, como pela direita pelas declarações que fez, André Ventura continua a ser apoiado pelo PSD na corrida autárquica a Loures. O próprio líder Passos Coelho saiu em sua defesa, argumentando que o candidato já esclareceu o que quis dizer. Acontece que André Ventura nunca retirou o que disse sobre a comunidade cigana, apenas tentou justificar as afirmações. Afirmações como: “A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de Direito” ou “temos tido uma excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas”. Outra acusação que fez foi a de haver “grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem exclusivamente de subsídios do Estado”.
Em Julho, ao PÚBLICO, e mesmo garantindo que pedia desculpa a quem se sentisse ofendido, André Ventura ainda alargou as críticas, frisando que os problemas que identificou na comunidade cigana em Loures também existem no resto do país e que ainda são mais do que os que enumerou. Questionado sobre o sítio, o estudo, ou conjunto de dados de onde retirou aquelas conclusões, o candidato disse que tem recolhido essas informações durante este processo pré-autárquico em Loures e que tem ouvido essas queixas de munícipes.
Ora, segundo o Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas pedido pelo Alto Comissariado para as Migrações e apresentado em 2015, a percentagem de pessoas de etnia cigana que tinha como principal fonte de subsistência o Rendimento Social de Inserção (RSI) era de 33,5%.
A conclusão até podia ser a de que 33,5% não é, sequer, a maioria da população cigana. Mas a realidade é sempre mais complexa do que os números mostram. A questão é que, apontam os especialistas, o RSI trouxe claros benefícios a uma comunidade que os estudos também retratam como sendo mais marginalizada e como tendo um risco de pobreza maior. Em Maio deste ano, o alto-comissariado para as Migrações, Pedro Calado, dizia o seguinte: “Para mais de 50% dos ciganos o RSI foi um factor que os fez regressar à escola, estudar e ir mais longe.”