Portugal vendeu medicamentos à Coreia do Norte e comprou carretos de pesca
Vendas de bens são incipientes, mas existem, à semelhança do que sucede com a União Europeia. Principais aliados comerciais de Pyongyang são China e Singapura.
As relações comerciais entre a Coreia do Norte e Portugal são incipientes, mas não inexistentes, ao contrário do que se podia pensar.
Apesar do isolamento do país asiático, e do aprofundamento das sanções da União Europeia à medida que se iam intensificando os testes nucleares, há ainda espaço para compras, mesmo que de pequenos montantes. Este ano, de acordo com os dados cedidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal enviou, entre Janeiro e Junho, embalagens de medicamentos para a Coreia do Norte. Valor da factura: 4182 euros.
Apesar da natural curiosidade, desconhece-se o tipo de medicamento, bem como a identificação da empresa vendedora e o percurso até lá chegar (imagina-se que no porão de carga de avião, com vária escalas). No sentido contrário, zero de produtos. O mesmo, aliás, se passou no ano passado, com a venda de medicamentos a Pyongyang a chegar a 18.975 euros, e sem uma única venda a Lisboa.
Mais baixo é difícil, mas não impossível, já que, em 2015, as trocas comerciais ficaram-se por 34 euros, ligados a acessórios para tractores ou veículos de transporte de mais de dez pessoas, adquiridos pela Coreia do Norte. O melhor ano desta década em termos comerciais foi o de 2014, altura em que as vendas para este país asiático somaram 251.408 euros, entre ladrilhos, “instrumentos para medicina”, e “desperdícios e resíduos de ligas de cobre”, estes últimos no valor de 239.468 euros.
Em termos de importações, o último ano de compras a Pyongyang foi 2013, quando chegaram, vindos da Coreia do Norte, carretos de pesca no valor de 298 euros, circuitos eléctricos (24.422 euros) e limpa pára-brisas para automóveis (31.613 euros). De resto, desconhecem-se investimentos (nos dois sentidos) ou quaisquer iniciativas de missões empresariais.
Na prática, as relações entre Portugal e este país asiático reflectem, tendo em conta a escala do mercado nacional, os laços comerciais que existem entre a Coreia do Norte e a União Europeia. As sanções postas em prática - e que foram reforçadas a partir de 2006 - já impedem a realização de quase todo comércio (e investimentos), mas isso não impede os responsáveis europeus de estarem a preparar um reforço do bloqueio. Se, em 2013, a UE comprou produtos no valor de 117 milhões, e vendeu outros 29 milhões, no ano passado os valores já tinham descido substancialmente, para seis milhões e 22 milhões, respectivamente, segundo os dados do Eurostat.
No topo estão os produtos químicos (onde se incluem os medicamentos), que acabaram por colocar a Coreia do Norte na 184.ª posição no ranking dos parceiros económicos da União Europeia. Neste aspecto, o bloco europeu surge lado a lado, ou até ligeiramente abaixo, do Burkina Faso. Este país africano é o sexto maior comprador de bens da Coreia do Norte, o que o coloca na oitava posição do quadro de parceiros económicos de Pyongyang, cabendo à União Europeia a nona posição.
Dinheiro por explicar
O destaque vai para a China, vizinho e principal comprador e fornecedor de bens - e de serviços - ao país de Kim Jong-un. Em 2016, a China foi responsável por metade das transacções comerciais, sendo seguida de muito perto por Singapura (49,4% e 44% do total, respectivamente). Assim, se muito da eficácia das sanções passa pelo envolvimento chinês, Singapura, que conta com uma nova embaixada da Coreia do Norte, também terá certamente um papel a desempenhar.
No final do ano passado, um analista do instituto norte-americano de economia coreana (KEI, na sigla em inglês), Li Tingting, chamava a atenção para a tendência de arrefecimento na troca de bens entre a Coreia do Norte e a China. Tendo como mais recentes os dados de 2015, Li refere que este foi o segundo ano consecutivo de descida na balança comercial, ao mesmo tempo que a China perdia peso no quadro global, após ter representado 64% das trocas comerciais em 2014.
Ainda assim, a China tem sido fundamental na venda de petróleo ao regime de Kim Jong-un, bem como de veículos, alimentos e fibras sintéticas. Do lado da Coreia do Norte vendem-se produtos como carvão e roupa.
Conforme destaca Li Tingting (China-North Korea trade in 2015: the beginning of a downturn), um factor que tem cada vez mais importância é a existência de trabalhadores norte-coreanos emigrados, e as remessas que enviam para o seu país de origem. E, aqui, é a Rússia que surge a lado da China como os países onde há mais norte-coreanos.
Uma vez que balança comercial da Coreia do Norte é deficitária, Pyongyang tem de gerar as divisas para pagar esse mesmo buraco, e para o qual as remessas não serão suficientes (o diferencial em 2016 terá sido negativo em cerca de mil milhões de euros, só em bens). Uma solução seria o endividamento, mas o país não tem acesso aos mercados financeiros internacionais e a sua moeda não é convertível.
Para Li, reportando-se às ligações com a China, é necessário saber como é que a Coreia do Norte consegue resolver o défice entre o que compra e o que vende, para então perceber de que forma Pequim pode influenciar Kim Jong-un através das sanções.