Arrancou-se a calçada de Beja para pôr lajes. Partiram-se. Agora regressa a calçada
O piso em calçada portuguesa regressa à Praça da República de Beja, depois de ter sido preterido para dar lugar a uma cobertura em lajes de mármore.
Uma das obras mais controversas do programa Beja Polis está em fase de remodelação na Praça da República, em pleno centro histórico da cidade. Um novo piso em calçada portuguesa, está a substituir a cobertura em lajes de mármore que, a partir de 2004, tomou o lugar da calçada portuguesa colocada em 1940.
A substituição das lajes por calçada, “vai custar 74 mil euros mais IVA” referiu ao PÚBLICO Vítor Picado vereador na Câmara de Beja (CDU), enquanto a colocação do piso em mármore com cerca de 1600 metros quadrados de área coberta, exigiu um esforço financeiro superior a meio milhão de euros.
De entre os transeuntes que vão passando e olhando para mais uma remodelação da praça questiona-se o “faz e desfaz” nas obras do programa Polis de Beja, onde foram investidos cerca de 19 milhões de euros entre os anos 2000 e 2004 e posteriormente mais de um milhão nos trabalhos de remodelação de alguns dos 13 projectos que foram aprovados no início do século.
A (re) colocação do piso em calçada, está a ser uma luta contra o tempo. A empreitada tem 45 dias para retirar da praça 1600 lajes de mármore com um metro de lado, e deixar a praça com uma nova configuração antes das próximas eleições autárquicas. Nem aos domingos se descansa.
No entanto, o modelo de calçada que existiu até 2004, não está a ser replicado. “Não é bem a mesma coisa” adiantou ao PÚBLICO, João Rocha, presidente da Câmara de Beja. Com efeito, o projecto em execução coloca o piso da calçada ao mesmo nível dos arruamentos adjacentes, ao contrário da solução que prevaleceu entre 1940 e 2004, que recorreu à colocação de lancis para a destacar.
A área onde decorrem as obras, é de grande importância arqueológica. Durante a presença romana, o sítio agora designado Praça da República, terá sido o centro administrativo comercial da então Pax Júlia. Daí que seja considerado pelos arqueólogos “o centro nevrálgico da memória histórica da cidade”.
A descoberta do forúm romano nas suas proximidades, em 2012, pela arqueóloga Conceição Lopes, adensou essa possibilidade, que só um trabalho de pesquisa adequado permitiria confirmar. Mas tal hipótese nunca se colocou. Em 2003, Fernando Real então presidente do Instituto Português de Arqueologia (IPA), justificou ao PÚBLICO a impossibilidade de uma pesquisa mais profunda poder vir a ser efectuada no âmbito do programa Pólis, alegando que “só se intervinha na medida do estritamente necessário” por se viver “uma fase de contenção orçamental”.
Mesmo assim foi descoberto um pavimento formado por pequenas pedras (tesselas) embutidas em argamassa, que se encontrava muito bem preservado. Como não foi possível proceder a uma melhor interpretação do achado, apenas se procedeu à sua limpeza e registo fotográfico para ser coberto com uma tela geotêxtil, deixando para os vindouros uma reserva arqueológica em condições de poder vir a ser estudada. “Basta remover algumas placas de mármore e proceder ao seu estudo” sugeriu Fernando Real.
Pois bem, decorridos 13 anos, o actual executivo municipal, decidiu que fosse realizado o levantamento arqueológico do pavimento romano descoberto em 2003. O achado vai ficar coberto com uma estrutura envidraçada para ser visto pelos transeuntes. Ao todo, a área observável terá cerca de 80 metros quadrados.
Fica a expectativa de se saber em que estado se encontra o pavimento romano, situado a menos de um metro da superfície. Desde que foi remodelada a praça em 2003, a cobertura de mármore sofreu constantes maus tratos, (lajes partidas) com a circulação de viaturas pesadas e a colocação de palcos de razoável dimensão, para a realização de espectáculos.
Apesar da obra de colocação do piso ter acompanhamento arqueológico, este apenas se circunscreve a vestígios que eventualmente possam surgir durante o levantamento das lajes der mármore. Mais uma vez ficam por fazer as escavações que tanto arqueólogos como a população defendem, sobretudo, depois da descoberta, em 2012, do forúm romano a cerca de 40 metros do local que está a ser remodelado.
Pinto Leite, que foi coordenador do Programa Polis, reagindo ao cepticismo dos críticos do projecto de reformulação da Praça da República, o lugar mais nobre da cidade de Beja, alegou ter sido “adoptada uma solução minimalista que evidencia a sua importância e contemporaneidade”. Decorria o ano de 2004. Hoje a proposta inovadora está a ser totalmente desmantelada, para, no seu lugar ficar o tipo de piso em calçada portuguesa que naquele ano foi substituído, “para “recentrar” a cidade e revitalizar o centro histórico” propunha o Programa Pólis no ano 2000.