Projecto para o antigo edifício de O Comércio do Porto contestado por ex-vereador do Urbanismo
Em causa está uma alteração nas caixilharias do edifício desenhado por Rogério de Azevedo. Arquitecto do projecto actual diz que a intervenção "melhorou" o edifício.
O ex-vereador do Urbanismo do executivo de Rui Moreira, Manuel Correia Fernandes, contestou, na reunião da Câmara do Porto desta terça-feira, o que diz ser “uma alteração significativa e inexplicável” na fachada do antigo edifício de O Comércio do Porto, na Avenida dos Aliados, que está a ser transformado num empreendimento de habitação de luxo. Em causa está a alteração da caixilharia do edifício dos anos 1930, desenhado pelo arquitecto Rogério de Azevedo. O autor do projecto actual defende que a intervenção “melhorou” o prédio.
“Aquela ‘defenestração’ não respeita nem o desenho original, nem o espírito da obra em si, que é absolutamente datada e classificada a vários níveis”, avaliou o arquitecto Correia Fernandes, enquanto pedia explicações ao executivo sobre a aprovação do projecto do novo empreendimento Aliados107, da responsabilidade do arquitecto Arnaldo Brito. Correia Fernandes frisou que a legislação actual é pouco sensível à preservação das janelas e restantes aberturas nos edifícios, mas ressalvou que tal não acontece quando está em causa um edifício classificado e, lembrou, “este edifício está classificado a vários níveis”.
Apanhado de surpresa pela intervenção, o actual vereador do Urbanismo, Rui Losa, disse não ter todos os dados na mão e prometeu informar-se, mas garantiu que o projecto do edifício, que se encontra sob a alçada da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), foi devidamente aprovado e recebeu o necessário parecer favorável da Direcção Regional do Património Cultural. “A informação que tenho é que [a caixilharia] corresponde à pré-existente, mas compreendo o comentário”, disse. Losa explicou que, provavelmente, estar-se-ia a considerar como “pré-existente” a “profunda transformação” de que o edifício fora alvo, quando passou a ser ocupado pelo Banif e não a funcionar como sede de O Comércio do Porto, a sua função original.
A explicação, contudo, não satisfez Correia Fernandes, que lembrou a importância de Rogério de Azevedo para a arquitectura nacional e afirmou: “[O desenho do prédio original] Consta dos arquivos da Câmara do Porto. Não há razão absolutamente nenhuma para esta mudança. Nem é bom nem é original”. A preocupação do socialista foi acompanhada pelo presidente da câmara, Rui Moreira, que disse ter pensado “como é possível” ao aperceber-se das mudanças introduzidas na caixilharia do edifício.
Já o responsável pelo projecto actual, o arquitecto Arnaldo Brito, disse ao PÚBLICO estar tranquilo com a opção tomada. Ressalvando que “todas as coisas são criticáveis”, o arquitecto diz não ter dúvidas de que a intervenção actual “melhora” o edifício. “O que estava ali era uma caixilharia metálica, em cor bronze, com vidros super escuros e reflectores. Optamos por colocar uma caixilharia lacada em madeira, com vidro incolor, com vidros duplos, claro, mais condizente com o uso que irá ter”, disse. E frisou: “O que ali está é exactamente o que pedimos na licença que os foi atribuída”. A obra deverá estar concluída em Janeiro.
Classificação “póstuma”
Na reunião desta terça-feira foi aprovada, por unanimidade, a lista dos 34 primeiros espaços comerciais a serem classificados como Lojas Históricas, no âmbito do programa Porto de Tradição, mas o socialista Manuel Pizarro quis saber quando estaria concluída a avaliação das reclamações apresentadas no caso da Farmácia Lemos e do restaurante A Regaleira, com receio que a decisão da autarquia de classificar estes dois espaços possa ser “póstuma”.
Na ausência do vereador do Comércio, Turismo e Fiscalização, Manuel Aranha, foi a directora municipal do Comércio e Turismo, Maria Manuela Rezende, quem prestou esclarecimentos, explicando que, em ambos os casos, as reclamações foram apresentadas pelos proprietários dos edifícios que, por terem “motivos imobiliários”, não pretendiam a protecção dos espaços comerciais que ocupam parcialmente os prédios. “Marcou-se de imediato uma reunião do grupo de trabalho”, disse a directora municipal, explicando que linha de acção “mais lógica” será uma reavaliação de ambos os casos.
Esta terça-feira, o Jornal de Notícias adiantava que o Grupo Nelson Quintas, que irá transformar o edifício em que está a Farmácia Lemos num hotel, queria que o estabelecimento comercial abandonasse o local em que se encontra, por ser nesse espaço que estava previsto o hall da futura unidade hoteleira. Maria Manuela Rezende disse, contudo, ter a informação de que neste como no caso de A Regaleira, existiram “negociações avançadas” entre os proprietários dos prédios e os responsáveis pelos espaços comerciais, no sentido de manter estes últimos. “Estão em negociações avançadas no sentido de uma mudança espacial, para que não fiquem no meio dos prédios, mas numa das pontas, com a premissa que todo o interior será mantido e o espólio transferido”, disse.
Prédio para o Centro da Sé
O executivo aprovou ainda, com o voto contra, de protesto, de Pedro Carvalho (CDU), a cedência do prédio municipal onde funcionava o Centro Social e Paroquial de Miragaia (CSPM) ao Centro Social da Sé Catedral do Porto, que ali pretende instalar parte das valências da sua congénere, encerrada no final de Agosto por alegada falta de condições financeiras, num processo muito polémico.
O encerramento do CSPM deixou no desemprego das 25 funcionárias que não foram contratadas para o nosso projecto e reclamam ainda um conjunto de prestações salariais em atraso. Foi por causa desta situação, e também dos utentes, que o vereador comunista votou contra a proposta levada a reunião de câmara, mas Manuel Pizarro, que disse achar “estranho” não se ter optado por dar emprego a quem já lidava com as valências de Apoio Domiciliário e CFAP – Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental do serviço anterior, acabou por votar a favor após as explicações de Rui Moreira.
O autarca garantiu que a Câmara do Porto mantém a intenção de apoiar as funcionárias num projecto de empreendedorismo social que permita abrir um novo espaço com as valências oferecidas pelo anterior CSPM. Para esse efeito, disse, está mesmo disposta a ceder o edifício da antiga Junta de Freguesia de S. Nicolau. “Uma coisa não exclui a outra”, disse o presidente, garantindo que as reuniões com as ex-trabalhadoras do CSPM ainda decorrem.