Nestes 130 km de linha não há transporte de passageiros
Sines, Coruche, Vendas Novas e Leixões são exemplos de linhas operacionais e que até têm estações e apeadeiros, mas onde não existem serviços de passageiros.
A reintrodução do serviço de passageiros na linha do Leste, na semana passada, voltou a pôr no mapa comercial da CP aquela via férrea, que serve Ponte de Sor, Portalegre, Elvas e Badajoz. A reabertura foi resultado de uma resolução unânime da Assembleia da República, que o Governo apoiou e que levou o secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme W. d’Oliveira Martins, a falar na reabertura de algumas linhas encerradas e na “intensificação de alguns serviços”, no âmbito de uma estratégica de “coesão territorial” a seguir pela nova administração da CP, que tomou posse há dois meses.
Mas quais são as linhas que poderão reabrir? Nem a CP nem o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas responderam ao PÚBLICO a esta questão, mas há pelo menos três linhas onde só passam comboios de mercadorias e que estão perfeitamente operacionais para que nelas circulem comboios de passageiros: uma no Alentejo, outra no Ribatejo e outro no Grande Porto.
De Ermidas-Sado (concelho de Santiago do Cacém) até Sines são 48 quilómetros de linha electrificada. O serviço de passageiros foi desactivado em 1990 devido à fraca procura e ao mau estado da infraestrutura. Mas a modernização da linha do Sul e do próprio ramal para Sines permitem hoje oferecer comboios directos daquela cidade a Lisboa com um tempo de percurso próximo das 2h15, face às três horas que demoram os autocarros da Rede Expressos.
Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, diz que “a utilização da linha para serviço de passageiros seria vista com agrado pela autarquia e seria uma mais-valia para o concelho, uma vez que as acessibilidades e os transportes são um importante factor de atractividade”. Os festivais de Verão da costa alentejana e o fluxo de visitantes, que provocam neste período do ano, “fazem com que esta situação seja extremamente interessante, possibilitando o incremento do turismo nesta região”, diz o autarca.
Mas a estação de Sines já foi demolida e seriam necessárias obras às portas da cidade para lá voltar a fazer chegar o comboio, pois os actuais, de mercadorias, vão para os complexos industriais e portuários das redondezas. Nuno Mascarenhas não se compromete, mas diz que “o município estaria disponível para encontrar uma solução que permitisse viabilizar o regresso do transporte ferroviário de passageiros a Sines”.
Linhas reabertas em 2009
Sete de Setembro de 2009. A então secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, os presidentes da CP e da Refer e uma série de individualidades inauguram com pompa – a vinte dias das eleições legislativas que ditariam uma vitória, efémera, do PS então liderado por José Sócrates – a reabertura da linha do Setil (Cartaxo) a Coruche. Eram 32 quilómetros percorridos numa automotora a fazer serviço de navette entre aquelas duas estações e que fazia ligação com os comboios da linha do Norte.
A solução era simples e barata (a Refer só teve que investir 430 mil euros para altear as plataformas das estações). E até envolvia as autarquias de Cartaxo, Salvaterra de Magos e Coruche, que partilhavam parte das despesas. Mas era uma solução frágil, porque o transbordo no Setil impossibilitava uma ligação directa Coruche-Lisboa. Tecnicamente, nada impedia que alguns suburbanos da Azambuja prolongassem a sua marcha até Coruche, tornando a viagem directa, mas essa solução não foi estudada.
O serviço durou dois anos e voltou a ser desactivado. Pela segunda vez, porque o ramal de Vendas Novas, que liga esta cidade ao Setil numa extensão de 69 quilómetros, sempre teve serviço de passageiros desde a sua inauguração em 1904. TInha sido interrompido em 2005 e substituído por um serviço rodoviário da CP que, pouco depois, terminaria.
Este segundo fôlego entre 2009 e 2011 só contemplou o troço Setil-Coruche, mas nada impede que haja comboios directos até Vendas Novas (e daí para Évora e Beja), quer desde Lisboa, quer desde o Porto. De resto, entre 1992 e 2006, o “comboio azul”, que ligava o Porto ao Algarve, passava por esta linha, que continua hoje operacional e por onde passam diariamente vários comboios de mercadorias.
Outra festa, mas no Norte
Dois dias depois, a festa da inauguração repete-se, desta vez no Centro Cultural de Leça do Balio (Matosinhos), com a presença da mesma governante e administradores, mudando apenas os autarcas. O motivo desta vez era a reintrodução do serviço de passageiros entre Ermesinde e Leça, numa extensão de apenas 10 quilómetros, mas cheia de significado, porque era nos arredores do Porto e com perspectivas de se tornar numa peça importante de um sistema que, integrando metro e comboio, serve milhão e meio de pessoas. O novo suburbano (55 comboios por dia em cada sentido) parava em S. Gemil e S. Mamede Infesta e ligava Ermesinde a Leça em apenas 16 minutos.
Mas a pressa inaugural (oficialmente foi o calendário escolar e não o calendário eleitoral que ditou a rapidez com que se abriu o serviço) impediu uma solução mais completa, que teria viabilizado o projecto, sustentado num protocolo que continnha uma cláusula de confidencialidade. Que era nula, tratando-se, como era o caso, de entidades públicas com deveres de transparência.
Ana Paula Vitorino, actual ministra do Mar, prometeu então que o serviço seria prolongado até Leixões, mas isso implicava investir numa estação de passageiros junto ao porto, com ligação ao Metro no Senhor de Matosinhos, a construção de novos apeadeiros, reactivação da estação de Guifões e criação de uma nova estação no Pólo Académico da Asprela, no Porto, onde o serviço também faria interface com o metropolitano. Tudo isto, sim, potenciaria esta nova “linha da cintura” no Porto, com rápidas ligações à periferia e às linhas do Minho e do Douro.
Nada disto foi feito. Um ano e meio depois a média de passageiros transportados era de três por comboio. A aventura durou 17 meses até o serviço fechar e o ramal de Leixões voltar a ter outra vez unicamente comboios de mercadorias.
Por isso, Eduardo Pinheiro, presidente da Câmara de Matosinhos, é cauteloso. Em declarações ao PÚBLICO, diz que a possibilidade de voltar a reabrir a linha de Leixões para passageiros “reveste-se da maior importância” para Matosinhos e para o Grande Porto, mas alerta que essa possibilidade só faz sentido “se for encarada com seriedade, criando um transporte público de qualidade, regular e dotado de estações que sirvam realmente as pessoas e os importantes núcleos atravessados pela linha”.
De resto, já no ano passado, o executivo de Matosinhos aprovara por unanimidade uma proposta do vereador comunista José Pedro Rodrigues, que tem o pelouro da mobilidade no executivo, para que o serviço ferroviário de passageiros reabrisse na totalidade dos 18,5 quilómetros da linha de Leixões.
Automotoras eléctricas sem uso para poupar dinheiro
Para qualquer dos casos apresentados, a CP dispõe de material circulante. Automotoras eléctricas não faltam, que até se dá ao luxo de as ter encostadas para não gastar dinheiro na sua manutenção. A empresa tem paradas oito automotoras suburbanas e detém ainda um razoável parque de material de tracção eléctrica que poderia circular nestas linhas sem quaisquer constrangimentos.
O mesmo não acontece com as linhas não electrificadas, para as quais a transportadora pública, simplesmente, não tem material circulante, mesmo contando com as 18 automotoras que foi obrigada a alugar a Espanha para assegurar o serviço no Douro e no Minho.
A linha de Beja à Funcheira (concelho de Ourique) foi encerrada em Janeiro de 2012 e desde então está abandonada, embora conserve os carris. Além do serviço regional (que era escasso numa região desertificada), constituía a via mais rápida para se chegar de comboio ao Algarve a partir de Beja. Mas era também um importante bypass (redundância) na rede ferroviária porque, em caso da interrupção na linha do Sul (Lisboa-Faro), essa linha era a alternativa possível para desviar o tráfego.
Já a linha da Figueira da Foz a Cantanhede e Pampilhosa, encerrada em 2009, afigura-se mais difícil de reabrir porque a Infraestruturas de Portugal (que absorveu a antiga Refer) apressou-se a retirar-lhe os carris. A “coesão social” prometida pelo Governo através do comboio é, aqui, ainda mais difícil de fazer cumprir.