Dez candeeiros valem por dez polícias?
Em Portugal não há legislação nem cidade que tenha limites à poluição luminosa.
Em Portugal, “não há nenhuma legislação, não há nenhuma cidade que tenha limites à poluição luminosa”, diz Alberto van Zeller, que coordenou dois trabalhos sobre o assunto, o "Manual de boas práticas para cadastro da Iluminação Pública" e o "Manual da Poluição Luminosa", ambos elaborados pelo Centro Português de Iluminação (CPI).
O que existe é uma recomendação, de 2011, que integra o Documento de Referência para a Eficiência Energética na Iluminação Pública, proposto pela RNAE – Associação das Agências de Energia e Ambiente (Rede Nacional), em parceria com o CPI, a Ordem dos Engenheiros, a Secretaria de Estado da Energia, entre outras entidades, e que aponta limitações à iluminação em “zonas críticas” como aeroportos, hospitais, parques naturais, observatórios, áreas de protecção especial, rede natura, ou outras indicadas no Plano Director de Iluminação Pública das autarquias. E que tende a tratar a iluminação pública pelo lado da eficiência energética, esquecendo os impactos que o desperdício de luz artificial durante a noite pode ter na saúde pública e na biodiversidade, explica o engenheiro.
“Chegamos a este nível de poluição luminosa por decisões erradas”, atira Van Zeller. Como por exemplo o uso de luminárias esféricas em candeeiros de jardim, o que faz com que em que “50% da luz emitida se perca”.
Para evitar o desperdício de luz para zonas que não necessitam de iluminação, a solução poderá passar por luminárias de controlo luminoso, que apontam exactamente para a área que se pretende iluminar, explica Alberto Van Zeller. Assim como em relação ao espectro da luz, devendo ser evitada a luz branca e fria (característica das lâmpadas LED), que se reflecte mais na atmosfera.
Esse trabalho está agora a ser iniciado no Porto, com um projecto que prevê a “substituição [das luminárias públicas] para tecnologia LED”. Já terão sido substituídas cerca de mil, mas o projecto prevê a intervenção em mais dez mil, diz ao P2 Rui Pimenta, administrador executivo da Agência de Energia do Porto, que é responsável pela gestão municipal na área da energia.
O objectivo é “reduzir a temperatura de cor” da luz pública e aproximá-la dos valores recomendados. Segundo os especialistas, não deve ser superior a 3000K.
“Com a tecnologia actual e com temperatura de cor mais baixa, mais amarelada, não há tanta diferença em termos de eficiência energética como há uns anos. Já se conseguem eficiências muito interessantes com temperaturas de cor na faixa dos 3000K”, explicou Rui Pimenta.
O responsável da agência, cuja actuação se estende também aos concelhos da Maia, Matosinhos, Gondomar, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Santo Tirso e Valongo, adianta ainda que está a ser elaborado um Plano Director de Iluminação Pública para o Porto, um documento que servirá para “adequar correctamente” a iluminação em cada espaço da cidade e que deverá estar concluído até ao final do ano.
“Terá a mesma importância que um Plano Director Municipal”, considera, acrescentando que serão incluídas “recomendações para projectos de iluminação pública que a cidade pretenda implementar”.
Numa curta resposta enviada ao P2, o departamento de comunicação da câmara de Lisboa refere que a autarquia “tem sempre o cuidado de utilizar luminárias que limitam a luz para o hemisfério inferior (controlando assim a difusão luminosa emanada directamente da luminária), nos projectos de remodelação ou substituição” dos candeeiros públicos, não referindo, contudo, a temperatura de cor das luminárias. A mesma fonte acrescentou ainda que relativamente a novos projectos de iluminação pública, “o impacto da luminosidade reduz-se à luz reflectida do pavimento e das fachadas dos edifícios iluminados”.
O P2 tentou ainda, sem sucesso, contactar a câmara de Portel. O município alentejano, com Moura, Reguengos de Monsaraz, Mourão, Barrancos e Alandroal, têm no Alqueva um destino de referência para a observação astronómica, certificado, desde 2011, como Starlight Tourism Destination. (ver texto principal)
Por outro lado, destaca Alberto Van Zeller, as pessoas estão pouco “alerta” para estas questões. O que se percebe quando são tomadas medidas para o aumento de luz nas ruas, que dá a “a sensação errada de segurança”, diz. “Não devemos querer mais luz. O que queremos é melhor luz. Mas há aquela questão política que dez candeeiros valem por dez polícias ou dão dez votos”, diz.
Por isso, reitera o engenheiro, a poluição luminosa deve ser combatida “com métricas e com projectos”. Mas num país “onde não há formação em iluminação, onde não há ensino [oferta formativa nesta área], isto é complicado”, nota. Por isso, devem ser os “responsáveis pelos projectos” a aplicar estas recomendações que limitam a poluição luminosa em articulação com os planos de iluminação pública municipais.
Mas a discussão não se esgota na iluminação pública, lembra, detalhando que a maior parte da "contaminação pública vem dos lasers das discotecas, da iluminação de fachadas, montras iluminadas, painéis publicitários, instalações desportivas”. E sugere que, no caso da iluminação pública, as luzes desses edifícios deveriam ser reduzidas ou mesmo apagadas.