Associação denuncia “esquema” de “financiamento dos bombeiros” com verbas “desviadas da alimentação”
Presidente dos bombeiros voluntários fala em “aldrabices” e “tramóia” do “conhecimento de todos” e culpa a Protecção Civil porque “nada fiscaliza”.
Rui Silva, presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Voluntários (ANBV), diz que existe “um esquema de financiamento dos bombeiros [feito] à custa do desvio de verbas da alimentação para os operacionais”, que “é do conhecimento de todos”. Muitas vezes, explica, "os bombeiros são alimentados com a comida dada por voluntários” e, “depois, são apresentadas facturas à Autoridade Nacional de Protecção Civil [ANPC] como sendo de refeições pagas”.
Este bombeiro há mais de 30 anos diz já ter dado conhecimento “desta tramóia” ao anterior Governo, à actual ministra da Administração Interna, ao secretário de Estado da Administração Interna e aos comandos da ANPC, afirmando que “ninguém faz nada porque o sistema é muito poderoso”. E o “sistema” é, segundo ele, “todos os que beneficiam com isto e nada dizem”.
Para o presidente da ANBV, a “grande responsável por tudo isto é a Autoridade Nacional de Protecção Civil a nível regional e nacional porque paga tudo o que lhe chega sem nada fiscalizar”. “A ANPC fomenta o oportunismo. Paga, muitas vezes, a entidades não credenciadas para fazer refeições, mas, como há uma total ausência de fiscalização, não quer saber o que paga e a quem paga.”
Rui Silva, actualmente ao serviço da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila do Conde, diz que o dinheiro “desviado das refeições não vai para o bolso das chefias” dos bombeiros, sendo utilizado antes para “outros fins, como a compra do equipamento que as associações precisam ou em outras necessidades nos quartéis”.
Professor numa escola profissional na Maia, Rui Silva recusa falar em esquema fraudulento, ou em facturas falsas. “A situação existe e é do conhecimento de todos há muitos anos, portanto não posso falar em fraude e as facturas, se existem e são pagas, devem ser verdadeiras. São facturas da treta, contas de merceeiro”, afirma
Rui Silva diz também que “não são só os gastos com a alimentação que não são fiscalizados” pela ANPC. “Ninguém fiscaliza se o número de bombeiros voluntários, declarados pelos comandos à autoridade nacional, que andam a combater as chamas no terreno pagos a 1,87 euros à hora, são os reais, se os equipamentos que são dados como perdidos são reais. Ninguém fiscaliza nada.”
“O que eu digo é o seguinte: os bombeiros não podem ser financiados por estas aldrabices que, repito, são do conhecimento de todos. Se não há dinheiro para equipar os bombeiros, arranje-se. Acabe-se de vez com estas falcatruas”, salienta.
Sobre as denúncias de má alimentação distribuída a alguns bombeiros, que está a ser alvo de inquérito ordenado pelo Ministério da Administração Interna (MAI) à ANPC, o presidente da ANBV diz que “essas situações são reais”. “Bombeiros mal alimentados já existem há vários anos, só que dantes era uma excepção. Agora a excepção está a repetir-se muitas vezes. Não posso aceitar que os bombeiros sejam financiados à custa do dinheiro da sua alimentação.”
Rui Silva diz que a “denúncia destas situações já teve custos na sua vida profissional”, mas garante que ninguém o vai calar. Afirma que defende os bombeiros voluntários (a associação que representa tem dez anos) e diz ser “bombeiro de alma e coração”. “Nunca recebi um tostão dos bombeiros e tenho autoridade técnica e profissional para falar. Sou funcionário público, não pretendo vender equipamentos para bombeiros nem aspiro a um cargo na ANPC. Por isso, falo de forma livre, embora com grande mágoa com o que vou vendo”, conclui.
O PÚBLICO contactou o MAI e ANPC para comentarem as denúncias e obteve a seguinte resposta da ANPC: “Atendendo à informação pública sobre o acto eleitoral dos órgãos da associação portuguesa de bombeiros voluntários, matéria em tramitação no foro judicial, a ANPC desconhece quem são os legítimos representantes da mencionada associação.”
Existe um diferendo na ANBV entre a presidente da assembleia geral e o presidente, sobre a legitimidade dos órgãos, estando algumas questões a ser dirimidas em tribunal, com muitas trocas de acusações.