Os chimpanzés também têm uma forma de Alzheimer como nós
Seremos a única espécie que tem doença de Alzheimer? Uma equipa de cientistas dos Estados Unidos também detectou agora acumulações indevidas de proteínas em cérebros de chimpanzés, à semelhança do que ocorre nas pessoas.
Os chimpanzés são os nossos parentes vivos mais próximos. E parece que tais semelhanças também se estendem à doença de Alzheimer. Características desta doença, que tem aumentado nos seres humanos, também existem nestes nossos primos. Embora haja algumas diferenças, as parecenças detectadas, e referidas num artigo científico na revista Neurobiology of Aging, podem permitir que os chimpanzés contribuam (ainda mais) para a investigação, neste caso da doença de Alzheimer. Afinal, não há uma cura para ela, apenas medicamentos que abrandam os sintomas.
Numa autópsia em 1906, o médico alemão Alois Alzheimer observou que o cérebro de um doente tinha uma acumulação invulgar de duas proteínas. Eram elas: as placas de beta-amilóide e os emaranhados neurofibrilares. As placas de beta-amilóide formam-se pela acumulação (incorrecta) da proteína beta-amilóide à volta dos neurónios. Já os emaranhados neurofibrilares aparecem devido ao mau funcionamento da proteína tau no interior dos neurónios. A tau está envolvida na formação de estruturas cilíndricas nos neurónios designadas “microtúbulos”, que fazem parte do esqueleto das células. Depois, a proteína tau separa-se dos microtúbulos e cria formas desorganizadas: os emaranhados neurofibrilares, que entopem esses microtúbulos.
Não se sabe muito bem o que causa estas duas acumulações, mas já se percebeu que levam à morte de neurónios e que podem ser encontradas em regiões cerebrais responsáveis pela formação de memória, como o hipocampo. No caso dos depósitos de beta-amilóide, podem espalhar-se ainda para outras regiões do cérebro. Tudo isto leva à doença de Alzheimer, que surge, na maioria das vezes, depois dos 65 anos e se caracteriza por lapsos de memória, esquecimentos de pessoas ou lugares e perda progressiva de competências sociais e quotidianas. No fim, os doentes tornam-se dependentes dos outros.
Desta vez, um grupo de cientistas dos Estados Unidos “fez a autópsia” a 20 cérebros de chimpanzés dos 37 aos 62 anos. Uns morreram de forma natural e outros por eutanásia.
E não é assim tão vulgar fazer análises a cérebros de chimpanzés, como se lê no artigo científico: “Até à data, menos de 50 cérebros de primatas mais velhos foram examinados para a patologia da doença de Alzheimer em estudos anteriores.” Os cérebros dos chimpanzés para investigação não são muitos. “Os exemplares de cérebros dos grandes primatas, particularmente de indivíduos mais velhos, são incrivelmente escassos, por isso um estudo desta dimensão é raro”, explica Mary Raghanti, antropóloga da Universidade Estadual de Kent e coordenadora do trabalho, num comunicado da Universidade Estadual da Geórgia (ambos nos EUA).
Quanto à doença de Alzheimer nestes primatas, apenas num estudo de 2008 (de outra equipa) se encontraram emaranhados neurofibrilares no cérebro de um chimpanzé. Contudo, como tinha sofrido de um derrame cerebral anterior à morte, os cientistas pensavam que o que tinham encontrado estava associado a esse derrame.
O que se viu desta vez? Os cientistas observaram emaranhados neurofibrilares e placas de beta-amilóide nos cérebros dos chimpanzés, tal como se pode ver nos humanos. Também perceberam que os chimpanzés acumularam beta-amilóide nos vasos sanguíneos. “As conclusões do nosso estudo mostram que os chimpanzés têm características patológicas muito visíveis da doença de Alzheimer”, diz ao PÚBLICO Melissa Edler, neurocientista da Universidade de Kent e principal autora do trabalho.
Doença de Parkinson em vista
A principal diferença entre a doença de Alzheimer nos humanos e as características detectadas nos chimpanzés está na beta-amilóide. Nos chimpanzés, a beta-amilóide acumulou-se mais nos vasos sanguíneos do que em placas. Além disso, nos chimpanzés existia um aglomerado de tau nas projecções que saem dos neurónios, algo que não se verifica nos humanos. Por isso, os cientistas chamam a esta doença nos chimpanzés “patologia dos emaranhados neurofibrilares”. Quanto aos sintomas desta doença, a equipa ainda não tem dados comportamentais e cognitivos para estes primatas.
Este estudo pode ser também uma boa notícia para nós. Afinal, estima-se que em 2015 a doença de Alzheimer afectasse 44 milhões de pessoas no mundo e 140 mil em Portugal, segundo a organização Alzheimer’s Disease International. Também se prevê que em 2050 o número de pessoas com demências seja de mais de 131,5 milhões de doentes, a maioria das quais terá Alzheimer.
“A doença de Alzheimer tem sido considerada uma doença unicamente humana”, diz Melissa Edler. A neurocientista explica que, se esta doença for mesmo única na nossa espécie, devem-se estudar outras espécies e perceber o que protege os seus cérebros, para depois se encontrarem formas de tratamentos para os humanos. Mas esta descoberta pode alterar o rumo da investigação: “Os chimpanzés são os nossos parentes vivos mais próximos e, como tal, oferecem muitas possibilidades de nos ajudarem a perceber esta doença.”
Acrescenta ainda que este trabalho também é importante para os próprios chimpanzés. “Estes animais envelhecem nos institutos de investigação, nos abrigos e em jardins zoológicos por todos os Estados Unidos, e esperamos que este estudo informe os seus tratadores. Assim podem estar mais preparados para cuidar da saúde cognitiva dos chimpanzés em função da sua saúde física.”
Melissa Edler revela que já está a estudar, no cérebro do mesmo grupo de 20 chimpanzés, se existiu uma diminuição de neurónios, tal como acontece com os doentes de Alzheimer. Se esta diminuição existiu, pode significar que os chimpanzés tinham sintomas de demência, como os humanos. E a cientista avisa que não quer parar a investigação nesta doença: o seu próximo projecto será perceber se os chimpanzés também sofrem da doença de Parkinson.