Fica para a próxima
Era hoje o dia em que Angola devia começar a sua caminhada democrática.
Era hoje o dia em que Angola devia começar a sua caminhada democrática. Era hoje o dia em que os resultados seriam honrados, que o processo de contagem seria verificado por observadores internacionais, que os dez milhões de eleitores poderiam celebrar o resultado do seu voto. Era hoje que os cidadãos de Angola poderiam começar verdadeiramente a desfrutar das riquezas naturais do seu país, aplicando o imenso lucro da venda de petróleo nos serviços básicos de Saúde e Educação; seria também hoje que se poderia celebrar um Estado de direito em que os privilégios de uns poucos protegidos não se sobrepunham aos de outros e em que a Justiça seria verdadeiramente cega aos apelidos e aos compadrios; seria, por fim, o dia a partir do qual ninguém seria preso por ler livros ou por se manifestar em público ou por produzir informação não censurada.
Nada disto vai acontecer, porque afinal hoje é apenas o primeiro dia em Angola do resto de uma vida quase igual. O mais certo é assistir-se a mais uma vitória com pouca contestação, mais um momento de congratulação oficial com resultados magníficos que garantem a estabilidade governativa para o MPLA e para os apaniguados de José Eduardo dos Santos. Mudará o Presidente, mas mantém-se a estrutura do poder nas mesmas mãos que tomam conta do império. O dinheiro fica na mão dos filhos, com um a tomar conta do fundo soberano e a outra da imensa Sonangol. A estrutura social também é imutável, porque o novo Presidente não vai poder mexer nem nas polícias, nem nos tribunais, nem nos militares. Provavelmente, mesmo que pudesse, não o quereria fazer.
Mas há uma escolha que João Lourenço terá de fazer: vai ter de pensar se quer, e como quer, ficar na história. Se se portar como um executante de transição, não será mais do que um fiel do clã que manda em Angola. Se quiser, como diz querer, fazer um milagre económico, tem de acabar com a política oficial da corrupção de Estado — algo que o colocaria em linha de choque com a família Dos Santos e com toda a elite angolana. Mas sejamos realistas: no estado em que as coisas estão, parar com a sangria de recursos, viabilizar melhorias na condição de vida das novas gerações angolanas e permitir um módico de liberdade já seria bem melhor do que tudo aquilo que foi feito neste século.