CCDRN chumba gasoduto da REN no Património Mundial do Douro
A entidade gestora do bem protegido pela UNESCO foi ao encontro dos apelos das principais associações e instituições da região, que se uniram contra o potencial de "agressão" do empreendimento.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região do Norte (CCDRN) opõe-se ao projecto do gasoduto Celorico/Vale de Frades que a REN quer construir para ligar a rede nacional de gás à congénere espanhola. Num parecer enviado no final da semana passada à Agência Portuguesa de Ambiente (APA), a CCDRN junta-se ao coro de protestos ao empreendimento que reuniu, entre outras instituições, o ICOMOS-Portugal (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), a Universidade de Trás-os-Montes (UTAD) ou o Museu do Douro e recusa a construção do gasoduto que rasgaria, numa extensão de 35 quilómetros, a zona do Alto Douro Vinhateiro inscrita na lista do Património Mundial da UNESCO, bem como a sua zona de protecção. Depois do parecer da Comissão, designada pelo Estado como responsável pela gestão do bem protegido pela UNESCO, falta ainda esperar pelo parecer vinculativo da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que tutela o bem, para que a APA decida viabilizar ou inviabilizar o estudo de impacto indispensável para o licenciamento da obra.
Com o aproximar do desfecho (a DGPC informa que o seu parecer será emitido no princípio de Setembro), fica cada vez difícil encontrar argumentos para a aprovação do gasoduto. Fontes ligadas ao processo indicam que “não há memória de um parecer da CCDRN ser ignorado pela APA”, mesmo que em causa não estejam pareceres vinculativos. Nos círculos mais próximos da Cultura acredita-se que a DGPC tenderá a seguir as exigências da UNESCO para a preservação dos bens inscritos na lista do Património Mundial, cuja Convenção o Estado português ratificou. E só uma determinação política superior, que as mesmas fontes ligadas ao processo não vislumbram, poderá permitir o avanço do gasoduto.
Depois de ter seguido os seus trâmites ao longo de dez meses num quase completo silêncio, o estudo de impacto ambiental para a construção do gasoduto acabou por chegar ao conhecimento da CCDRN e dos donos de quintas afectados apenas no final de Maio. “Houve uma clara tentativa de esconder este assunto”, diz um dos proprietários. Numa reunião que juntou todas as partes no dia 29 de Julho, “15 produtores informaram ter tido conhecimento do projecto apenas dez meses depois do encerramento do processo de consulta pública”, critica o grupo Symington, um dos maiores produtores durienses, numa carta à APA. Para o ICOMOS, uma ONG associada à UNESCO, este silêncio é uma violação do espírito da Convenção do Património Mundial, agravada pelo facto de o debate público se ter feito apenas em três municípios durante o mês de Agosto de 2016. A Convenção, diz o ICOMOS, obriga os estados a “informarem largamente o público das ameaças a que está sujeito o património.”
Uma "cicatriz"
Para a CCDRN, o projecto do gasoduto iria criar uma “cicatriz” nos concelhos de Mêda, Foz Côa, Moncorvo e Alfândega da Fé, com impactos na Quinta do Vale Meão ou no Vale da Vilariça, uma área “com singular importância ao nível da paisagem agrícola e do património cultural”, diz o ICOMOS. Desde a primeira hora que o presidente da Comissão, Freire de Sousa, e o seu vice-presidente mais relacionado com o Douro, Ricardo Magalhães, foram fazendo saber que a proposta da REN era inaceitável. As pressões para que dessem o seu aval vieram de várias áreas da energia e do Governo. A revelação do projecto pelo PÚBLICO, a 16 de Junho, fez com que várias associações e instituições da região se mobilizassem, o que facilitou a decisão da comissão.
Além do ICOMOS, que enviou uma dura carta ao Governo, juntaram-se ao protesto a UTAD, o Museu do Douro, a ADVID, uma associação de viticultores, a Associação das Empresas de Vinhos do Douro e do Porto, o grupo Symington e a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial, embora em termos menos contundentes (o que suscitou duras críticas entre vários associados). No essencial, todos protestavam contra as feridas na paisagem, contra os perigos de o Douro perder a sua classificação ou contra o facto de o Estado exigir aos proprietários medidas de conservação sem que se obrigue às mesmas regras. “A chancela UNESCO do Alto Douro Vinhateiro é um elemento âncora e central do modelo de desenvolvimento económico e social do território”, notou a UTAD, considerando “inaceitáveis investimentos que coloquem em causa a integridade e a autenticidade inerente ao seu valor universal”.
Como corolário dos protestos, todas as instituições durienses e a própria CCDRN recomendam o estudo de alternativas para a travessia do Douro. No estudo de impacto, porém, nota-se que “as condicionantes associadas e presentes na envolvente e as características técnicas especiais necessárias para realizar esta travessia” excluem outras opções para lá da zona do Vale Meão e da Vilariça. O gasoduto Celorico/Vale de Frades prevê uma extensão de cerca de 160 quilómetros, exige um investimento de 137 milhões de euros e deveria estar concluído em Dezembro de 2019.