"É inevitável que o Lone Star e a Altice vendam o Novo Banco e a PT"
Leonardo Mathias, ex-secretário de Estado da Economia, considera que “é inevitável” que num prazo de cinco a sete anos, os dois fundos decidam vender.
Licenciado em Gestão de Empresas, Leonardo Mathias diz que actualmente tem uma carreira plural repartida por várias áreas. Entre elas, é senior adviser de um fundo de private equity norte-americano, que opera em Portugal há um ano (para reestruturar dívida), o Strategic Value Partners (SVP Global). Está ainda ligado à fintech AbyPay e preside à empresa municipal Cascais Dinâmica. Em entrevista ao PÚBLICO, o ex-secretário de Estado da Economia de Pires de Lima considera que Portugal se depara hoje com uma nova realidade — a compra de activos relevantes por parte de fundos considerados abutres, que estão nas empresas de passagem. E defende que hoje é mais fácil ir levantar fundos ao mundo digital das criptomoedas do que aos business angels.
O seu nome chegou a ser anunciado para liderar o BPG, cujo maior accionista é a Fundação Oriente. Mas acabou por recuar. O que aconteceu?
Assumi o compromisso de apresentar aos accionistas um plano estratégico e de orçamento para levar por diante no triénio de 2016, de 2017 e de 2018, o que fiz. Mas o accionista, que é soberano, entendeu que o projecto não era o que esperava e fui à minha vida.
Como é que avalia a venda de activos como a PT ou o Novo Banco a fundos de investimento, com o perfil daquele que representa, e que alguns consideram ter comportamentos predadores, com vista à obtenção de ganhos rápidos?
Não é bem assim. As instituições como a que represento desempenham um papel muito importante do ponto de vista macroeconómico porque se substituem a investidores sem disponibilidade. E investem com o objectivo de maximizar o capital num período curto de tempo. Através de custos de financiamento mais baixos, de uma gestão mais agressiva e mais moderna e de economias de escala, estão em melhores condições para rentabilizar as aplicações. E é a entrada em força em Portugal destes fundos que, para nós, constitui hoje uma novidade, pois até aqui os grandes activos eram adquiridos por entidades de cariz industrial [provenientes do mesmo sector], com outro perfil. Para mim, o importante é que os fundos cumpram a legislação e sejam devidamente supervisionados.
O fundo que representa, Strategic Value Partners (SVP Global), compra apenas dívida bancária em incumprimento?
É um fundo específico que compra dívida distressed [dívida bancária vencida ou cuja capacidade de pagamento no vencimento está em risco], ou seja, em reestruturação. Um mercado que na Europa tem crescido muito. De 2010 a 2017, cresceu 60%. E, só para ter uma ideia, a dívida de alto rendimento e a distressed já atingem nos Estados Unidos da América (EUA) 2,3 biliões de dólares e na União Europeia (UE) já é de 1,1 biliões de dólares. Em Portugal, segundo o Banco de Portugal (BdP), o malparado é de 17 mil milhões de euros, sendo cerca de 12 mil milhões de empresas portuguesas.
Considera aceitável que o Governo e o BdP vendam o Novo Banco, com 15% de quota de mercado, a um fundo com as características do Lone Star, que fica protegido com uma espécie de garantia pública [para reduzir o risco do investimento]?
Gostaria que vivêssemos noutra realidade, mas a realidade é que foram abertos dois concursos [para vender o Novo Banco] e só apareceram dois fundos e uma seguradora. E admito que esta última [a seguradora] até fizesse sentido. Acontece que hoje há muitas razões para a indústria [bancária] não se envolver nestas operações, e destacava quatro: regulatórias [grandes exigências de capital]; pressões de mercado; gestão de risco [os bancos não podem carregar nos balanços activos que não gerem rendimento]; protecção da marca. Os bancos não só não podem ter em balanço dívida em incumprimento, como deixaram de ter as chamadas “áreas de investimento de balanço”. E, por outro lado, os bancos norte-americanos não se interessam pela Europa e os bancos europeus estão muitos em processos de reestruturação: em Espanha, em França, na Alemanha e até na Grã- Bretanha. E, quando todos estão a arrumar a casa, não pensam em comprar casa nova. E, então, aparecem estes investidores [fundos de private equity] mais oportunistas, mas que cumprem um papel.
E já percebeu qual é o papel que a Altice cumpre na PT?
O que chama a atenção dos fundos são as economias de escala que podem retirar de um determinado investimento, pois têm activos espalhados por várias geografias. Já este mês, a Altice anunciou um mega-investimento nos EUA. E é este contexto que permite rentabilizar os investimentos. Mas, exactamente por não serem empresa dos sectores onde investem, têm estratégias e prazos de saída, pelo que é inevitável que, tanto o Lone Star como a Altice, a cinco anos ou a sete anos estejam vendedores do Novo Banco e da PT. Mas também acho que, no caso da banca, há outro tema em cima da mesa: a banca vive hoje um ponto de inversão.
De transição para a banca digital?
Para uma nova banca e para uma nova banca sem barreiras de pagamentos e que terá o smartphone como elemento central do relacionamento com o cliente [do mundo digital]. E isto vai obrigar a grandes mudanças e a suportar custos: redução da rede comercial, do quadro de pessoal, investimentos tecnológicos. Estamos a caminhar muito rapidamente para outro figurino.
Como é que de secretário de Estado da Economia foi parar a uma fintech (que junta finanças com tecnologia)?
Estive no Web Summit, onde conheci os dois sócios da AbyPay — o Sebastião Lencastre e o Joaquim Lambiza — que me convidaram para aderir ao projecto.
Para ser accionista?
O modelo de colaboração ainda está por definir. A Aby Pay foi criada por duas empresas já existentes: a EasyPay [de Sebastião Lencastre] e a Bitcoin [de Joaquim Lambiza]. E apresenta uma nova solução de pagamento [com tecnologia blockchain], com novas funcionalidades instantâneas, reembolsos e serviços de pagamento e remessas [transferências] online. E que se podem realizar em qualquer região do mundo, em 35 moedas diferentes [entre elas estão três criptomoedas e quatro metais preciosos] e a custar cêntimos para os utilizadores. Daí dizermos: “Anyone to anywhere.”
Como muitas outras fintechs, a AbyPay ataca a cadeia de valor dos bancos que alegam que estas empresas são deficientemente fiscalizadas.
Primeiro, as fintechs são supervisionadas pelos bancos centrais. E, depois, só concorremos com a banca na medida em que nos substituímos e de forma muito mais barata, aos sistemas de pagamento tradicionais, como são os cartões Visa e MasterCard e às soluções de débito directo. Dou-lhe um exemplo: o mercado dos sistemas de pagamentos é actualmente de 620 mil milhões de dólares e o preço médio por cada remessa [transferência de fundos] é de 7,45%. E isto foi no primeiro trimestre. E a maior parte dos bancos cobram 11% por cada remessa. Bastava aos 11% reduzir cinco pontos percentuais, para os clientes receberem mais 16 mil milhões de dólares. E, portanto, há muito dinheiro que está a ser deixado em cima da mesa como ganho ou renda bancária. Já sem falar que as expectativas são de que o sistema de pagamentos a nível mundial em 2019 atinja um bilião de dólares, e em 2022 três biliões. Mas a AbyPay até vai mais longe na utilização dos ATM e dos pontos de venda para as empresas.
A banca tradicional está a reagir ao ataque das fintechs?
Sim e com as armas todas: segurança, acesso, relacionamento de proximidade. Mas não querem ficar longe da inovação, e nenhum banqueiro quer ser o próximo Blockbuster, quer é ser a próxima Netflix. Não querem ser a Kodak, mas sim uma aplicação de fotos da Apple. Mas só no limite é que os bancos se vão mexer, pois ganham 11% de comissões nas transacções.
Onde é que a AbyPay vai ser desenvolvida?
O projecto foi muito elogiado no Web Summit 2016, onde o Joaquim Lambiza e o Sebastião Lencastre foram desafiados a ir para os EUA e a esquecer a Europa.
E o destino é os EUA?
Não. Vamos manter a empresa em Zug, na Suíça, com quadros em Zurique e em Lisboa.
Já contactaram o Banco de Portugal?
Os líderes do projecto foram apresentar-se ao BdP em Novembro e o BdP achou muito interessante o projecto que levaram. E, entretanto, passaram quase nove meses e quase nasceu a criança. E está tudo na mesma.
Mas chegaram a pedir autorização para operar?
Bom, esse é outro tema. Em Portugal não existe enquadramento jurídico. O último relatório que o BdP tem sobre criptomoedas remonta a 2014. E o que o mundo mudou desde essa altura! E, portanto, neste momento o BdP não tem nem regulação, nem enquadramento jurídico para as criptomoedas [virtuais]. E tivemos de procurar um local com regulação. E foi em CriptoValley, em Zug, na Suíça, que criámos um escritório. O Banco Central Suíço não só criou vantagens legislativas, como considera que a regulação tem de acompanhar a inovação. E não o contrário. Os suíços são muito abertos à inovação.
Mas não estavam à espera que o BdP, que tem um perfil mais “parado”, assumisse essa tendência?
Pois... Na Suíça os serviços públicos já aceitam que os contribuintes paguem 20% do IRC e do IRS em criptomoedas. Convém lembrar que, em 1932, no período entre as duas guerras, os suíços, e face às pressões inflacionistas e às dificuldades das pequenas e médias empresas em fazer pagamentos, criaram uma moeda, o chamado “wir” [que em alemão quer dizer nós], e que ainda hoje circula e tem 60 mil utilizadores.
Já dispõem dos fundos necessários ao desenvolvimento do projecto?
Em Portugal não se acredita em startups, daí estar a ser tão difícil levantar capital, pois continuamos a ser conservadores e a estar agarrados às Obrigações de Tesouro. Em Portugal ainda não conseguimos encontrar um investidor interessado. A ausência de regulação e a falta de capital é que levou a AbyPay para a Suíça, onde há tudo isso.
E vão criar uma moeda virtual para ir levantar fundos?
Sim, um token, que não é bem uma moeda, é um símbolo de uma moeda. É a outra novidade deste mundo digital. Estão a começar a ser lançados os ICOS (Initial Coin Offering ), uma espécie de Oferta Pública de Venda (OPV), para as startups poderem ir levantar fundos. Não há um prospecto, mas há um white paper onde identificamos o que vamos fazer, o porquê e o valor. Pela primeira vez este Verão, os ICOS ultrapassaram, em termos de financiamento, os Business Angeles [investidores individuais que apoiam empreendedores]. Hoje em dia há mais pessoas a investir nas novas moedas [virtuais] e a permitir aos empreendedores irem levantar fundos do que nos business angels.
Nos grandes ataques internacionais cibernéticos [as vítimas pagam resgates para recuperar o controlo dos computadores e dos ficheiros], os pedidos de resgates têm sido em moedas virtuais, como é o bitcoin. Quer comentar?
Há que ter a noção de que o bitcoin movimenta 60 ou 70 milhões por dia e a lavagem de dinheiro envolve triliões. Mas, tal como na banca tradicional, neste mercado há intervenientes menos sérios. Ainda recentemente, o Financial Times revelou que, nos EUA, desde a crise financeira, de 2008, o sistema financeiro tradicional pagou de multas 150 mil milhões de dólares. Portanto, se temos um problema, ele existe na banca tradicional, não no mundo das criptomoedas. E recordo aqui uma frase da City: “Tu só és tão bom até à última transacção que fizeste.”