Morreu Brian Aldiss, o grande mestre da ficção científica britânica
Autor de mais de 80 livros, o escritor morreu este sábado aos 92 anos. Foi um dos seus muitos contos que inspirou o filme A. I. – Inteligência Artificial.
O escritor Brian Aldiss, considerado o mais influente autor inglês de ficção científica da segunda metade do século XX, morreu este sábado, aos 92 anos, na sua casa de Oxford. Deixa cerca de 80 livros de criação própria e várias antologias que se tornaram referências do género, mas talvez a sua obra mais conhecida seja hoje um breve conto que publicou em 1969, Supertoys Last All Summer Long, adaptado ao cinema como A. I. – Inteligência Artificial (2001), um projecto que Steven Spielberg herdou de Stanley Kubrick.
Também poeta, memorialista e artista visual, Aldiss recebeu os principais prémios literários do universo da ficção científica, incluindo o Hugo e o Nebula, e a Science Fiction Writers of America, que atribui os prémios Nebula, concedeu-lhe em 2000 o estatuto de “grande mestre”, associando-o a uma restrita lista de clássicos do género, como Robert A. Heinlein, Clifford D. Simak, Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, Ray Bradbury ou A. E. van Vogt.
No entanto, muitos dos seus livros são de inscrição controversa no género, cujas fronteiras ajudaram a ampliar. “Não estou certo de que alguma vez se tenha visto a si próprio como autor de ficção científica, mas mais como um romancista que frequentemente escreve ficção científica”, sugere o escritor Jon Courtenay Grimwood. Num depoimento prestado após a morte do amigo, Grimwood descreve Aldiss como “teimoso, irritante e um inveterado contador de histórias”, acrescentando que, “por vezes, parecia não haver nenhum grande escritor, de T. S. Eliot e Kingsley Amis a Dylan Thomas, que ele não tivesse conhecido ou com quem não tivesse bebido uns copos”.
Ainda antes de Kubrick e Spielberg se interessarem por Supertoys Last All Summer Long, o escritor já vira uma novela sua chegar ao grande ecrã em 1990, quando Roger Corman adaptou Frankenstein Unbound (1973), na qual Aldiss presta homenagem à criadora de Frankenstein, Mary Shelley. Na sua história crítica da literatura de ficção científica (Billion Year Spree, 1973), afirma que a autora oitocentista “merece ser considerada o primeiro genuíno autor” do género.
Mais recentemente, em 2005, os cineastas Keith Fulton e Louis Pepe adaptaram Brothers of the Head (1977), uma estranha e sombria história de dois irmãos siameses que formam uma banda punk.
Nascido em Norfolk em 1925, Brian Aldiss era filho de um comerciante, que vivia com a família por cima do seu estabelecimento, e começou a escrever as suas primeiras histórias ainda em criança. A Segunda Guerra Mundial apanhou-o no final da adolescência, e aos 18 anos estava a combater na Birmânia, experiência que utilizaria amplamente nas comédias sexuais protagonizadas pela personagem Horatio Stubbs, uma trilogia publicada nos anos 70 e que causou considerável escândalo no Reino Unido.
Após a guerra, trabalhou como livreiro em Oxford, ao mesmo tempo que ia escrevendo e publicando alguns contos em revistas. O herói do seu primeiro livro, The Brightfount Diaries (1955), é precisamente um vendedor de livros.
Mas é com o título seguinte, Space, Time and Nathaniel, de 1957, que se dá a conhecer como escritor de ficção científica. E três anos mais tarde, em 1960, o seu prestígio no meio era já suficiente para ter sido eleito presidente da Associação Britânica de Ficção Científica.
Um prestígio que, desde o início, se ficou tanto a dever ao criador como ao incansável divulgador, antologiador e crítico que Aldiss também foi. Em 1964, co-fundou e dirigiu a primeira revista dedicada à crítica de literatura de ficção científica, Science Fiction Horizons, e as três antologias que organizou para a Penguin na primeira metade dos anos 60, depois reunidas no volume The Penguin Science Fiction Omnibus, tiveram um grande sucesso comercial e tornaram-se obras de referência.
Enquanto autor, entre as suas obras que são hoje consensualmente consideradas clássicos do género contam-se títulos como Non-Stop (1958), que a Livros do Brasil publicou com o título Nave-Mundo na famosa colecção Argonauta, Hothouse (1962), editado na colecção Contacto, da Gradiva, como A Longa Tarde da Terra, ou Greybeard (1964), intitulado O Ano do Apocalipse na edição portuguesa da Europa-América.
E ainda os três volumes da inovadora trilogia Helliconia, originalmente publicados entre 1983 e 1986. Se Jon Courtenay Grimwood se lembra de “ficar acordado a noite toda a ler um exemplar muito gasto de Hothouse”, do que não se esquece mesmo é do “choque” que lhe provocou o volume inicial desta saga, Helliconia Spring: “Não era parecido com nada que eu alguma vez tivesse lido."
Foi também ainda nos anos 80 que Aldiss começou a publicar uma das suas séries mais apreciadas, o chamado Squire Quartet, cujos últimos volumes saíram já na década de 90, e cuja acção decorre não num futuro distante, numa qualquer remota galáxia, mas nos então bem presentes anos finais da Guerra Fria. O segundo volume, Forgotten Life (1988), foi publicado pela D. Quixote, com o título Vida Esquecida, na sua colecção generalista de Ficção Universal.
"Não concordo com as pessoas que entendem a ficção científica como uma espécie de previsão do futuro", afirmou Brian Aldiss em 2007, numa entrevista radiofónica. "Vejo-a como uma metáfora para a condição humana."