A dinastia dos Santos
Restam poucas dúvidas sobre o vencedor das eleições, mas isso não significa calma em Angola.
Estamos apenas a três dias das eleições mais importantes da história moderna de Angola, nas quais José Eduardo dos Santos, Presidente há quase 38 anos e em batalha com uma doença prolongada, irá finalmente abandonar o cargo. O sucessor, João Lourenço, militar de carreira, é alvo da esperança de muitos, que vêm finalmente a possibilidade de pôr um fim à sequência de escândalos de corrupção e ao colapso da economia angolana.
Fundadas ou não, estas esperanças dependerão de mais do que simplesmente da vontade de João Lourenço. No centro de tudo, como sempre, estará a petrolífera nacional Sonangol e, até certa medida, a família dos Santos.
Desde 2014, com a queda do preço do petróleo, a fonte da vida financeira de Angola, que é a Sonangol, começou a secar. Na sequência de revelações que indicavam que a empresa estava à beira da banca rota em 2015, José Eduardo dos Santos afastou o anterior líder da empresa, Francisco de Lemos, e, com protestos vindos de fora e dentro do MPLA, colocou a sua filha, Isabel dos Santos, à frente dos desígnios da petrolífera.
Sinais de fumo
Em Julho deste ano, um ano depois de tomar posse, Isabel congratulou-se com os resultados financeiros da petrolífera em 2016. Segundo ela, um crescimento de 36% nos resultados operacionais da empresa marcaram a muito esperada viragem de direção da espiral descendente na qual empresa tinha entrado nos últimos anos. Desde a sua entrada para a Sonangol, a acção da dirigente foi descrita como extremamente dura, apostando em cortes radicais na despesa, reestruturando o desenho administrativo para o ajustar à realidade do barril de petróleo a 45 dólares.
Olhando para os números publicados pela Sonangol, no entanto, a imagem que se cria não é tão animadora como o que se tenta apresentar. Enquanto o EBITDA, ou resultados operacionais antes de juros, depreciações, amortizações e impostos, foi de facto consideravelmente maior que em 2015, continua abaixo dos resultados de 2014. Segundo o relatório de contas, estes resultados podem ter sido influenciados pelo facto de em 2016, as contas consolidadas da empresa terem sido desenhadas para incluir um universo maior das várias subsidiárias da Sonangol, o que naturalmente inflaciona os números. Será mais fácil ter uma noção real da performance da empresa se nos focarmos nos lucros líquidos, que em 2016 se ficaram pelos 13 mil milhões de kwanzas, enquanto em 2015, a empresa tinha encaixado 48 mil milhões. Os apoiantes de Isabel dos Santos focam-se nos resultados operacionais e referem em passagem um decréscimo de 72% dos lucros como se fosse um factor secundário na história da grande viragem de direcção anunciada pela administração da Sonangol.
Detractores da presente administração apontam para o facto de os resultados da empresa terem diminuído 360% entre 2015 e 2016. Que 360% de 13 seja 48 ou que 48 menos 72% seja, de facto, 13 é, obviamente, irrelevante e não passa de marketing que procura justificar um ou outro argumento.
O que é dolorosamente verdade é que a Sonangol está profundamente descapitalizada. Os cortes em projectos de exploração e desenvolvimento, as demoras em aprovar orçamentos para desenvolvimento de projectos operados por parceiros da Sonangol em campos em que a estatal detém participação, as extensas resistências em pagar a fornecedores e credores, e a dívida crescente transmitem sinais preocupantes a investidores. Ainda que Isabel dos Santos tente transmitir uma imagem de controlo sobre a empresa, o comportamento corporativo dá sinais de profundas dificuldades internas. Os sucessivos escândalos de corrupção, como o mais recente envolvendo a TAP Portugal, em Julho deste ano (sobre um alegado esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo dirigentes da petrolífera angolana), mais enfraquece a imagem de transparência e estabilidade promovida pela administração.
“Os resultados de toda a expectativa que a própria Isabel dos Santos criou quando tomou posse da Sonangol em 2016 são por ora modestos. Não houve reforma estrutural e não houve uma alienação consistente dos ativos não lucrativos da Sonangol fora do sector petrolífero. Essencialmente, Isabel conseguiu concretizar algum corte de despesa, mas com o custo de antagonizar gente dentro e fora da Sonangol, ficando aquém das expectativas que a indústria lhe atribuía antes de ser nomeada”, disse ao Público Em conversa com o Público, Ricardo Soares de Oliveira, professor associado de política africana na Universidade de Oxford.
A decisão, em Julho de 2017, por parte do conselho de administração de manter suspenso o projecto da refinaria do Lobito lançado em 2012 pelo vice-presidente e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, e que deveria estar concluída este ano, é apenas mais um exemplo das dificuldades financeiras da empresa. A refinaria, com um custo avaliado em 5,4 mil milhões de euros, teria uma capacidade de processamento de 200 mil barris de petróleo por dia e conseguiria, em paralelo com os 65 mil barris de capacidade da refinaria de Luanda (construída há mais de 60 anos e a funcionar a cerca de 83% de capacidade), acabar com as importações de produtos petrolíferos refinados em Angola, que custam ao Estado 150 milhões de euros mensalmente.
Segundo o relatório e contas, os pilares estratégicos do programa de reestruturação da empresa apoiam-se no programa Sonalight, que visa a redução de custos através do aumento da eficiência, a eliminação de desperdícios e a redução de custos; no programa Sonaplus, destinado ao aumento da receita através da identificação de “oportunidades de aumentos dos volumes vendidos, de optimização dos ‘mixes’ produzidos, de revisão dos preços, de revisão das políticas comerciais e de reforço das acções de garantia de receita”, e no redesenho de processos e na optimização organizativa.
Uma vez que as previsões para os preços do petróleo não são particularmente animadoras, com a maior parte das estimativas a colocar o valor do barril do Brent pouco acima dos 50 dólares em média para 2017 e 2018, estes desenvolvimentos de controlo orçamental por parte da Sonangol são ainda mais fundamentais para salvaguardar a sustentabilidade da empresa no médio e longo prazo, mas estão longe de resolver tudo.
A inevitabilidade da política
Concordando-se ou não com a posição ocupada por Isabel dos Santos e com o seu estilo administrativo, é difícil negar que a recuperação económica da Sonangol é de vital importância para Angola e para os angolanos, e que depois de décadas de despesismo, o controlo orçamental é vital. Por muito que o próprio relatório da Sonangol fale do progressivo crescimento a nível mundial das energias renováveis, que comente a necessidade de diversificação e queira apoiar outros sectores produtivos como a “agricultura e a indústria transformadora”, com o objectivo de libertar Angola da sua dependência do petróleo, nenhum outro sector tem a capacidade, neste momento, de compensar as necessidades financeiras do país (6). Pelo menos, por agora, Angola precisa do dinheiro do petróleo para fazer crescer outros sectores para que deixe de estar dependente do petróleo. Uma pescadinha de rabo na boca demasiado familiar na África Ocidental.
Para que isso aconteça será necessária disciplina e estabilidade de liderança e, aí, nada é claro. A quatro meses das eleições, em Abril deste ano, o conselho de ministros aprovou um aumento gradual dos salários da função publica em Angola de até 15% para os salários mais baixos, no que foi visto como uma medida largamente eleitoralista. Há que ter também em atenção que 15% é a inflação prevista pelo governo para Angola em 2017, e que em 2016 a mesma inflação atingiu 40%, que foram retirados ao poder de compra dos angolanos.
Se por um lado a contenção orçamental embate com despesas eleitoralistas, uma grande questão recai sobre a estabilidade do império da família dos Santos, que José Eduardo tao laboriosamente tentou deixar para os filhos, Filomeno dos Santos na presidência do Fundo Soberano de Angola, e particularmente Isabel, na presidência da Sonangol. A poderosa e intervencionista presidente da petrolífera dificilmente se submeterá à autoridade governativa da presidência angolana a partir do momento em que esta deixe de ser liderada pelo seu pai.
“A escolha de Isabel dos Santos para presidente do concelho de administração da empresa automaticamente mudou a dinâmica de lealdade cega de uma companhia ao serviço da presidência. Enquanto filha do presidente, isso tem um efeito multiplicador do poder de José Eduardo. Mas quando o presidente mudar, é possível imaginar uma polarização de poder em Angola. Teremos de um lado a presidência e do outro uma empresa que controla a vasta maioria dos recursos do estado angolano, o que terá um efeito nocivo no que toca a afirmação do sucessor de José Eduardo dos Santos como presidente”, avança Ricardo Soares de Oliveira.
Em Abril deste ano, a quatro meses das eleições, o conselho de ministros aprovou um aumento gradual dos salários da função pública em Angola de até 15% para os salários mais baixos, no que foi visto como uma medida largamente eleitoralista. Há que ter também em atenção que 15% é a inflação prevista pelo governo para Angola em 2017, e que em 2016 a mesma inflação atingiu 40%, que foram retirados ao poder de compra dos angolanos.
Se por um lado a contenção orçamental embate com despesas eleitoralistas, uma grande questão recai sobre a estabilidade do império da família dos Santos, que José Eduardo tão laboriosamente tentou deixar para os filhos, Filomeno dos Santos na presidência do Fundo Soberano de Angola, e Isabel na presidência da Sonangol.
Será de esperar que não se governe um país durante 37 anos sem fazer alguns adversários. José Eduardo dos Santos terá a sua mão cheia deles, e quando o começou a mostrar fragilidade no cargo, devido à doença, vozes contrárias começaram a surgir em maior volume.
A primeira manifestação dos limites do poder de José Eduardo dos Santos teve expressão na discussão da lei que atribuía aos ex-presidentes de Angola o estatuto de Presidente Emérito, acartando com isso um número de regalias, incluindo um “Foro Especial” no qual o Presidente só poderia ser julgado por crimes pelo Supremo Tribunal de Angola, dentro de parâmetros especiais. A lei foi aprovada, entre protestos da oposição em relação ao estatuto de passaporte diplomático a ser emitido aos filhos do ex-Presidente ainda que estes não ocupem posições diplomáticas, mas o título de Presidente Emérito e o Foro Especial foram retirados da proposta. Este foi o primeiro exemplo do que parece ser uma batalha contra o tempo para garantir o controlo de poder em Angola.
Em Junho, José Eduardo avançou com uma proposta de lei sobre as chefias militares, policiais e dos serviços de inteligência, que lhe permite apontar os nomes dos altos dirigentes para os próximos oito anos, retirando uma importante peça do jogo a João Lourenço (11). Já no início de Agosto, o Presidente angolano revogou uma circular enviada pelo chefe da casa civil que pedia aos dirigentes de empresas públicas que preparassem uma pasta de transmissão de testemunho antes das eleições. A circular dava a entender que os dirigentes poderiam ver os seus mandatos revogados por decisão do novo presidente, incluindo, obviamente, a direcção da Sonangol e do Fundo Soberano Nacional. A revogação de José Eduardo dos Santos protege de forma peremptória as posições dos seus descendentes, permitindo-lhes terminar os seus mandatos à frente das instituições públicas. Ao mesmo tempo, o facto de José Eduardo dos Santos não ser visto em público desde Abril, torna estas alterações legislativas ainda mais dúbias, e as espectativas em relação às eleições mais complexas. Mesmo depois de deixar o cargo, José Eduardo dos Santos continuará como líder do MPLA até pelo menos 2018.
O que isto quer dizer para João Lourenço, e para o futuro da Sonangol, é a verdadeira questão destas eleições. Se o candidato, que se espera que seja eleito, não confrontar as decisões do anterior executivo e permitir a manutenção da família dos Santos à frente das duas maiores fontes de rendimento do país, nunca será realmente visto como presidente, mas como um fantoche. Se contrariar o domínio de José Eduardo, abrirá um conflito com a família mais poderosa de Angola, num momento em que a Sonangol passa por um fundamental processo de restruturação financeira, que a bem ou a mal, necessita de estabilidade administrativa. Uma coisa é certa, a saída de Eduardo dos Santos da Presidência não põe um ponto final na sua capacidade de influenciar a administração do país, e no centro de tudo continua a Sonangol, a galinha dos ovos de ouro numa capoeira cheia de raposas.
Analista e repórter de mercados energéticos, co-autor de Big Barrels, African Oil and Gas and the Quest for Prosperity