Seguindo a pluma do Douro (foz acima, foz abaixo) com submarinos autónomos
Uma equipa de cientistas está a tentar traçar as fronteiras entre a água do Douro e a do mar junto à foz, com a ajuda de pequenos submarinos não tripulados. O trabalho pode ajudar a detectar e prever as consequências de casos de poluição fluvial, antecipando para onde vão as águas contaminadas.
Há uma equipa de investigadores a tentar traçar a pluma do Douro na foz utilizando submarinos. A pluma, que se forma quando águas de diferentes densidades (como o rio e o mar) se encontram, tem uma espessura que varia entre os dois e dez metros e a sua forma está constantemente a mudar, consoante o vento e o caudal do rio. Esta massa de água localizada perto da costa é o principal modo de transporte de nutrientes – ou poluentes – dos rios para o oceano. Em Portugal, é a primeira vez, diz a equipa, que se tenta delimitar a frente de uma pluma de um rio português com submarinos autónomos não tripulados.
Esta investigação faz parte do pós-doutoramento do oceanógrafo Renato Mendes, bolseiro de 30 anos do Laboratório de Sistemas e Tecnologia Subaquática (LSTS) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em colaboração com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e o Departamento de Física da Universidade de Aveiro. No doutoramento, Renato Mendes já tinha estudado a pluma do Douro através de modelação numérica e com recurso a imagens de satélite, de modo a compreender como é que a água do rio se propaga no mar com a variação do vento e do caudal. Mas nessa investigação eram poucos os dados recolhidos in situ. Algo que se quis contrariar no pós-doutoramento.
Agora o investigador pretende melhorar o modelo numérico, tendo por base dados reais recolhidos com submarinos LAUV (a sigla de Light Autonomous Underwater Vehicle), com cerca de 18 quilos cada um, e que foram desenvolvidos e programados naquele laboratório da Faculdade de Engenharia do Porto.
Os resultados podem ajudar a detectar e prever consequências de situações de contaminação das águas. Renato Mendes exemplifica: “Imaginemos que há uma ETAR [estação de tratamento de águas residuais] que entra em colapso e despeja tudo para o rio, gerando uma pluma de poluição à superfície. Imaginemos que isso ocorre num dia de Verão e que temos de interditar praias, porque tudo o que é trazido para o rio vai ser transportado para o mar através da pluma. Mas que praias devemos interditar?” E continua: “É preciso seguir a pluma, determinar o que está lá dentro e fazer uma imagem tridimensional da dispersão [da poluição]. E o algoritmo que nós estamos a usar aqui pode ser utilizado nessas situações.” Com os submarinos autónomos com que estão a trabalhar até é possível ir ao local e observar que materiais é que chegaram a cada uma das zonas, revela.
Mas estes conhecimentos podem ser úteis noutras situações. Em 2001, quando se deu a tragédia de Entre-os-Rios, com o colapso da Ponte Hintze Ribeiro a provocar 59 mortos, ninguém sabia ao certo para que local é que os corpos iriam: “Quando se deu o acidente, os corpos foram transportados pela corrente gerada pela pluma para norte, porque estava vento de sul muito forte. E tudo o que estava à superfície [incluindo os corpos] foi transportado por essa pluma. Na altura, as pessoas achavam que os corpos viriam para sul, na direcção preferencial do transporte de sedimentos, o que estava errado. Agora já temos mais noção do que pode acontecer.”
Veículos que decidem sozinhos
As primeiras idas ao mar foram em Abril. Mas este Agosto, Renato Mendes e José Pinto, investigador em veículos autónomos do LSTS, voltaram para realizar mais três experiências.
Num pequeno barco, de manhã, dois submarinos que vão medir as propriedades da água são lançados ao mar, a cerca de duas milhas marítimas da costa. Um começa a sua viagem a norte, outro a sul. Durante o percurso de seis horas em que, nalgum ponto, vão acabar por se encontrar, os submarinos vão tentar descobrir a frente da pluma, vertical e horizontalmente. Com base num algoritmo instalado nos veículos, eles entram e saem da pluma, notando as diferenças de salinidade e temperatura e traçando a fronteira tridimensional. Se o submarino fizesse um desenho na água, de cima ver-se-ia um ziguezague, a quatro milhas da costa, o ponto mais afastado da pluma naquele dia. Dentro da água, os submarinos andam como um ioiô, para cima e para baixo.
Sem receber ordens durante a missão, é o equipamento que toma as decisões ao longo da viagem. As únicas orientações que os dois investigadores dão a partir do barco onde estão, a sua base de operações, são se o submarino continua ou aborta a missão, explica José Pinto, de 35 anos: “Adicionámos um computador ao submarino que corre um algoritmo capaz de detectar se ele está na água do rio ou mar e, de acordo com o sítio onde está, escolhe para onde vai sem ter de comunicar com a base.”
Mas como é que os veículos se orientam? José Pinto esclarece: “Quando os veículos estão debaixo de água, não podem usar GPS para saberem onde estão, porque as ondas rádio não se propagam debaixo de água. Têm de saber localizar-se sozinhos, através de outros sensores. E, para isso, usam um sistema composto por acelerómetros e uma bússola. Só quando estão à superfície é que conseguimos comunicar com eles via Wi-Fi, SMS ou comunicações satélite.” A cada 15 minutos, os equipamentos sobem à superfície para enviar as suas localizações, o nível de salinidade da água e as direcções que estão a seguir. Durante a missão, o percurso é geralmente acompanhado através de um computador e um telemóvel que seguem a bordo do barco.
Com a recolha dos equipamentos após as missões, é possível ter acesso a dados como a temperatura, a salinidade da água, concentração de clorofila (um indicador biológico), turbidez e pH. Dados que em Portugal são escassos, diz Renato Mendes. O investigador argumenta que no país não costuma haver “continuidade em projectos de oceanografia”, apesar de Portugal ser apelidado como “país de mar”. Uma das razões é a falta de “investimento continuado nos projectos”. Mas até nesse aspecto, esta investigação inova. Ao recorrer a um pequeno barco e submarinos autónomos que a própria desenvolve, os investigadores evitam variados custos associados, por exemplo a utilização de um navio hidrográfico.
No Inverno, os investigadores querem continuar com as missões in situ. Só que sem terem de sair para o mar. Nessa altura, o objectivo é que os submarinos já sejam suficientemente autónomos para que, após o lançamento no estuário, consigam fazer o seu percurso até à pluma.
Haverá ondas internas?
Todos estes procedimentos fazem parte de uma primeira fase deste projecto, porque o objectivo principal de Renato Mendes no seu pós-doutoramento é investigar acerca do fenómeno ainda pouco conhecido das ondas internas – ondas com uma grande amplitude e imprevisíveis, que se propagam na interface, em profundidade, entre a pluma e o mar.
A existência destas ondas já foi comprovada no rio Columbia, nos Estados Unidos, e no rio Amazonas, na América do Sul: “São bastante perigosas para plataformas petrolíferas e também têm um impacto biológico, visto que conseguem trazer nutrientes que estão mais no fundo para a zona fótica [iluminada pela luz solar] e potenciar a fotossíntese”, explica Renato Mendes.
O oceanógrafo quer verificar se também existem no Douro: “Algumas imagens de satélite dão indicações da sua existência, mas é preciso que se comprove, in situ.” Esse é outro objectivo das missões que têm sido realizadas com os submarinos. Se, à mesma profundidade e na ligação entre a pluma e o mar, o veículo detectar variações bruscas de temperatura, tal pode indicar que estas onde existem. Depois, é estudar o caudal do rio, vento e outras condicionantes, de modo a perceber que condições são as óptimas para a geração deste tipo de ondas.
E assim, foz acima, foz abaixo, os veículos submarinos autónomos podem ajudar a desvendar os segredos de quando um rio chega ao mar.
Texto editado por Teresa Firmino