A bem da paz, Londres propõe fronteira invisível na Irlanda do Norte
Proposta britânica excluiu postos fronteiriços e o controlo de pessoas e mercadorias naquele que foi um dos focos de maior tensão durante o conflito na região.
Nem postos de controlo, nem câmaras, nem sequer fiscalização de passaportes. O Reino Unido propõe que a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda se mantenha tão invisível como até agora, a fim de garantir o mínimo de sobressaltos numa área que concentrou muita da violência durante as décadas de conflito na ilha.
No segundo documento divulgado em dois dias sobre as suas posições para as negociações com a União Europeia, o Governo britânico defende uma solução “pragmática” que reconheça o “contexto económico, social e cultural único” daquela fronteira, sem criar “qualquer novo obstáculo ao comércio” entre o Reino Unido e a República da Irlanda, parceiros muito próximos que a partir de Março de 2019 deixarão de pertencer ao mesmo bloco.
Tanto Bruxelas como Londres querem evitar que o “Brexit” sirva de pretexto para minar os acordos de paz na Irlanda do Norte, excluindo a possibilidade de voltar a fechar aquela fronteira – 500 quilómetros, com cerca de 200 pontos de passagem, pelos quais transitam cerca de 30 mil pessoas todos os dias e milhões de euros em mercadorias. Mas atingir este objectivo tornou-se um quebra-cabeças depois de o executivo britânico ter anunciado que iria abandonar a união aduaneira da UE, que aboliu as barreiras comerciais entre os Estados-membros, no pressuposto de que todos cobram as mesmas tarifas às exportações de países terceiros e cumprem as mesmas normas.
Mas Londres – que na véspera propôs dois modelos para substituir a união aduaneira, mantendo o mínimo de obstáculos ao comércio bilateral – decidiu ir mais longe na proposta para aquela que será a sua única fronteira terrestre com a UE. Defende que “não deve haver qualquer infra-estrutura física de qualquer tipo em nenhum dos dois lados da fronteira”, incluindo câmaras ou tecnologia para o reconhecimento de matrículas, nem qualquer controlo de passaportes ou mercadorias.
Para tornar exequível esta “fronteira invisível”, o Governo de Theresa May propõe isentar as pequenos e médias empresas de quaisquer tarifas ou burocracia alfandegária, alegando que a economia local é responsável por 80% das trocas comerciais entre as duas Irlandas, e sugere um sistema de registo prévio das exportações para as maiores empresas. Estas propostas levantam, no entanto, vários problemas, incluindo no caso das exportações agrícolas e pecuárias que representam uma parte muito importante das trocas e que só podem continuar a fazer-se sem entraves se Londres mantiver as mesmas normas de segurança da UE.
Igualmente problemático é o controlo da imigração, razão maior para muitos eleitores que votaram a favor do “Brexit”. Londres quer manter a Common Travel Area (CTA), acordo que permite a livre circulação de cidadãos britânicos e irlandeses entre os dois países e acredita que, mesmo sem fiscalização passaportes, pode controlar a chegada de cidadãos europeus através daquela fronteira limitando as autorizações de trabalho. Mas a ideia não deixará de indignar a imprensa eurocéptica, que olha já para aquela fronteira como uma porta das traseiras para a imigração.
Tanto a Comissão Europeia como Dublin saudaram a divulgação da proposta britânica para um dos temas essenciais primeira fase das negociações. Mas os críticos do “Brexit”, em Londres, Dublin ou Belfast temem que os planos para a fronteira sejam irreconciliáveis com a restante estratégia britânica para a saída da UE por muito que, como escreve o Politico, a manutenção da paz na Irlanda do Norte seja “uma responsabilidade que nenhum político sério britânico pode tomar de ânimo leve”.