Enfrentar medos com óculos, smartphones e realidade virtual
A tecnologia também está a ser usada em Portugal.
Há quem esteja a tentar enfrentar medos reais com realidade virtual. No consultório de Jorge Alves, em Braga, há aviões que descolam com pessoas com pavor de voar lá dentro, aranhas a passear nas mãos de quem sofre de aracnofobia, e multidões a ouvirem palestras de indivíduos tímidos (que evitam falar em público, lá fora). Pelo menos é a realidade que os pacientes vêem, graças ao par de óculos que têm na cabeça e que os liga a ambientes virtuais que o neuropsicólogo controla a partir do computador.
“Para algumas pessoas, a realidade virtual é a única forma de começarem a ultrapassar o medo, porque podemos personalizar e controlar a intensidade de cada sessão”, explica Jorge Alves ao PÚBLICO. Há cerca de ano e meio que abriu o Centro Cérebro, no norte do país, para explorar os usos da tecnologia na saúde. Há décadas que a realidade virtual é usada nos Estados Unidos para ajudar veteranos com problemas de ansiedade e stress pós-traumático. “Somos um conceito recente em Portugal, sim, mas temos a vantagem de chegar ao mercado numa altura em que a tecnologia é mais acessível e realista”, explica Alves.
Para o medo de voar, por exemplo, o programa utilizado – desenvolvido pela startup espanhola Psious – já permite definir as condições meteorológicas, o número de passageiros, e a hora do dia. Para o medo de falar em público, adapta-se a dificuldade da apresentação, os ruídos, comentários, aplausos e perguntas. Tudo é feito de uma forma gradual, repetindo as vezes que forem necessárias. “Esta repetição e a sistematização não seriam possíveis num ambiente real, tal como um voo real”, diz Alves.
Do outro lado do Atlântico, uma startup de Silicon Valley está a disponibilizar grauitamente o seu programa de realidade virtual para o tratamento de fobias, chamado Limbix, a psicólogos interessados. Basta um par de óculos de realidade virtual do Google, os Daydream (custam cerca de 79 dólares, ou 67 euros), e um smartphone compatível (para já, só há seis).
“Antes de lançar o produto, testámo-lo durante cerca de cinco meses, num número seleccionado de clínicas para perceber o tipo de usos mais comum, as dificuldades dos terapeutas com o sistema e para adaptar os ambientes disponíveis”, explica Jonathan Sockell, o director de vendas do Limbix. “Descobrimos que uma das grandes fobias é voltar a conduzir depois de um acidente de viação. Por isso incorporámos ferramentas gratuitas, como o Google Maps, para nos ajudar a personalizar o tratamento.”
Além de usar fotografias em 360º do Street View (a funcionalidade de navegação imersiva e panorâmica dos Google Maps), o Limbix pode descarregar vídeos em 360º do Youtube. Ou seja, pode-se voltar ao local exacto de um acidente de viação ou ver a espécie exacta de tarântula com que se tem pesadelos. Foram precisas apenas três semanas, para que um dos pacientes a utilizar a tecnologia estivesse a pilotar um avião virtual, quando antes tinha medo até de entrar num aeroporto (depois de uma experiência menos boa durante uma viagem). Uma semana mais tarde estava a voar no mundo real.
Outra das áreas em que o Limbix se mostrou útil foi no combate ao vício de álcool e estupefacientes. “Um dos grandes problemas nestes casos é saber reagir, na vida real, a ambientes onde se está exposto a vícios antigos. O Limbix está a ser utilizado para recriar estes espaços. Por exemplo, permite que um antigo alcoólico visite um bar para ver a sua reacção, num ambiente controlado”, explica Sockell.
O Limbix não é caso único. No site de financiamento colectivo Kickstarter encontra-se a MindCotine: uma aplicação para combater o tabagismo que é compatível com óculos de realidade virtual. Permite simular o acto de fumar, numa fase inicial, e recriar cenários de risco na final (como um colega de trabalho a convidar um ex-fumador para uma pausa e um cigarro).
A tecnologia não é inteiramente isenta de riscos. Tanto Jorge Alves como os responsáveis do Limbix reconhecem que é preciso ter cuidado na avaliação de pacientes que sofram de epilepsia, ou algumas condições que dificultem a distinção entre realidade e imaginação (por exemplo, esquizofrenia).
Os pacientes acreditam na tecnologia, até quando os programas de realidade virtuais utilizados no centro não utilizam imagens do mundo real (mostrando gráficos semelhantes aos dos videojogos modernos). “Mesmo se os pacientes dizem que o nível de imersão não é elevado, e que sabem que é ficção, há sempre respostas ao nível da fisiologia”, diz Alves.