Pedro Cabeleira leva de Locarno uma surpresa de que “não estava nada à espera”
Jovem cineasta recebe menção especial por Verão Danado e Cristina Hanes vence a secção de curtas do festival com outra produção portuguesa: António e Catarina.
É um jackpot raro: apenas dois filmes em competição em Locarno, mas ambos galardoados no palmarés final. Verão Danado, de Pedro Cabeleira (Videolotion/OPTEC), recebe uma menção especial no concurso Cineasti del Presenti (tal como Gonçalo Tocha em 2011 por É na Terra, Não é na Lua) e António e Catarina, de Cristina Hanes (Terratreme Filmes), é o grande vencedor internacional do concurso de curtas Pardi di Domani. É o segundo ano consecutivo em que Portugal sai premiado de Locarno, depois de O Ornitólogo de João Pedro Rodrigues ter recebido o prémio de melhor realização em 2016.
“Não estou ainda em mim”, disse Pedro Cabeleira ao PÚBLICO, que o apanhou ainda em Lisboa, prestes a partir de regresso a Locarno. “Há três anos não fazia sequer ideia que ia ter um filme num festival e, depois das reacções que tive em Locarno, com pessoas a dizerem que adoravam o filme e outras a saírem a meio da sessão, não pensava mesmo que isto me ia acontecer”.
Para o realizador, de 25 anos de idade, a menção especial no palmarés da competição Cineasti del Presente – justificada pela “sua mise em scène que celebra a experiência de uma longa, longa noite”, nas palavras do argentino Matías Piñeiro – é o corolário de um “conto de fadas”: o primeiro filme de um cineasta sem currículo, feito em regime de auto-produção sem orçamento, aceite a concurso num festival de categoria A e citado no palmarés do júri. “Não estava nada à espera, mas fico contente,” diz. “É bom também ter os pés na terra: é uma menção especial, vale o que vale, mas vai ajudar a que o filme seja visto, e isso é muito importante.”
Já a romena Cristina Hanes, cujo António e Catarina, filme realizado no âmbito do mestrado de documentário DocNomads, recebeu o Pardino d’Oro para a Melhor Curta Internacional, preferiu remeter-nos para o comunicado de imprensa da sua produtora. Na entrevista que concedeu ao PÚBLICO antes do festival, Cristina referira que lhe era difícil falar do filme, pois soubera há pouco da morte do seu “actor” principal, Augusto Martinho. No depoimento que disponibilizou, explica: “Quando terminei o filme, fui surpreendida pela notícia da morte de Augusto e percebi que tínhamos partilhado os últimos três anos da vida dele”. Tiago Hespanha, produtor do filme e um dos sócios da produtora Terratreme, diz que o prémio de Locarno “é um reconhecimento extraordinário que vem premiar um filme simples, movido pela urgência e o instinto de uma realizadora jovem com uma grande sensibilidade e enorme talento.”
Sabine Azéma, presidente do júri Pardo di Domani, declarou que o júri se sentiu “perturbado e seduzido pela forma deste conto insólito, em huis-clos e nas sombras, da vida de um septuagenário desencantado e malicioso”. O filme reduz a 40 minutos o registo de vários encontros realizados ao longo de três anos entre a realizadora e Augusto, 45 anos mais velho, que conheceu acidentalmente. “Encontrámo-nos durante três anos no quarto dele, movidos pelo desejo de estarmos juntos. Através do cinema, pude preservar momentos fugazes dos nossos encontros”, refere Cristina no comunicado.
Os três outros filmes com investimento português em Locarno foram também premiados. Milla, de Valérie Massadian (co-produção Terratreme) recebeu o Prémio Especial do Júri Cineasti del Presente; 9 Doigts, de F. J. Ossang (co-produção O Som e a Fúria), o Leopardo de Melhor Realização no Concurso Internacional; e Era uma Vez Brasília, de Adirley Queirós (co-produção Terratreme), uma menção especial na competição paralela Signs of Life.