A idosa que morreu no hospital à espera de prótese e outros casos assustadores
Entidade Reguladora da Saúde revela recomendações a vários estabelecimentos hospitalares que lesaram doentes.
Quando lhe ligaram do hospital naquela noite de Dezembro, a filha da idosa ficou sem saber o que fazer. Era dos Hospitais de Coimbra, onde a progenitora tinha acabado de entrar para ser operada de urgência a um aneurisma abdominal grave. Pediam-lhe para decidir o destino da mãe. “Ou a operavam de barriga aberta e tinha 80% de hipóteses de falecer ou a intervenção seria menos invasiva mas… havia um problema: não existiam próteses para realizar esse acto cirúrgico”, recorda a filha. Tinham de vir do Porto, só chegariam no dia seguinte às 9h, e o aneurisma podia romper-se a qualquer momento. Confrontada com o dilema, resolveu arriscar e esperar mais 24 horas, na esperança de conseguir salvar octogenária – que morreu duas horas mais tarde.
O caso remonta a 2015 e foi, juntamente com outros tão ou mais assustadores, alvo de reprovação por parte da Entidade Reguladora de Saúde (ERS), que revelou esta sexta-feira algumas recomendações que fez a vários estabelecimentos de saúde para que situações deste tipo não voltem a repetir-se.
Confrontado com o sucedido pela ERS, o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra respondeu que a utente recusara, três anos antes, uma cirurgia programada que lhe poderia resolver o problema se sobrevivesse à intervenção, já na altura de risco. “O usufruto das condições que o Serviço Nacional de Saúde coloca à disposição dos seus beneficiários atribui-lhes, paralelamente aos seus direitos, responsabilidades inerentes à sua liberdade de escolha. E a liberdade tem um preço”, alegou o centro hospitalar. Afirmações que suscitaram repúdio à entidade reguladora: “O centro hospitalar deve abster-se de formular juízos valorativos das opções exercidas” pelos doentes, pode ler-se na deliberação relativa a este caso. Até porque isso em nada reduzia, acrescenta a ERS, a obrigação da unidade de lhe prestar os cuidados de saúde necessários a tempo e horas. Cuidados esses que tanto quanto se percebe tinham esbarrado em questões orçamentais: uma das justificações apresentadas para a inexistência de próteses em armazém foi o seu elevado custo e a grande variedade de tamanhos possível, consoante o doente.
Até Abril passado, data da deliberação, não era claro que quem entrasse nos Hospitais de Coimbra com este tipo de patologia não se confrontasse com o mesmo problema, apesar dos insistentes pedidos de informação da entidade reguladora para saber se já existiam próteses em stock.
Outra das deliberações agora divulgadas diz respeito a um homem com um enfarte que esperou 3h45 para ser observado pela médica de serviço no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Na triagem recebeu uma fita amarela, correspondente um grau intermédio de urgência. Acabou por morrer menos de três semanas depois.
Havia pouco movimento nas urgências naquela madrugada de 7 de Abril do ano passado, descreve o filho do paciente: “O meu pai gritava deitado numa maca (a única maca) na sala em frente à médica. De cada vez que lhe fui pedir, implorar, que o visse estava a escrever mensagens no telemóvel e nem para mim olhava. Apenas respondia: ‘Já o chamo’”. Os clínicos finalmente perceberam tarde de mais que o caso era grave. “Os procedimentos relativos à triagem e subsequente atendimento médico não terão sido correctamente seguidos”, concluiu a ERS, segundo a qual se impunha ter sido feito um electrocardiograma.
Seis meses depois foi com relutância que o filho voltou ao mesmo hospital com a mãe, que se apresentava hipertensa e com dores no braço esquerdo. “Tremi de pânico”, conta. “A minha confiança é zero."
Uma terceira situação sobre a qual a entidade reguladora se debruçou refere-se à não prestação de tratamento oncológico atempado no Hospital do Barreiro. O caso foi amplamente noticiado em Maio do ano passado: três doentes não tinham feito quimioterapia depois das respectivas cirurgias por a unidade de saúde ter deixado expirar o tempo útil, após o qual o tratamento se torna ineficaz.
Apesar da demissão do director do serviço de Oncologia por falta de condições três meses antes de o caso se tornar público, o conselho de administração do hospital garantiu só ter sabido do que se estava a passar pela comunicação social. Tanto quanto se sabe, em nenhum dos casos se terão verificado consequências irreversíveis. Os responsáveis da unidade de saúde informaram a ERS de que os doentes entraram em remissão clínica em Maio passado. “Mais uma vez se constata a existência de entropias no direito de acesso à prestação de cuidados de saúde, sobretudo na vertente temporal”, criticou a entidade reguladora, numa alusão aos direitos constitucionais dos cidadãos. A situação foi classificada como grave.