Maduro e o “poder absoluto” que aí vem
A Venezuela está prisioneira de uma facção política que subverteu as regras para impor a sua vontade sem limites.
O tempo do lirismo acabou. Nicolás Maduro, que num momento muito grave na Venezuela cantou Imagine, já se deixou de cantigas. Porque o tempo, para ele e para os seguidores da sua política extremista, é agora de ajustar contas. Com uma Assembleia Constituinte eleita mas não reconhecida internacionalmente, vão aumentar de tom os discursos patrióticos para esconder as ilegalidades cometidas e, sobretudo, para manter coesas as fileiras dos que acreditam no chavismo como via para salvar o país.
“Sou o Presidente independente de uma nação livre, a República Bolivariana da Venezuela”, clamou Maduro, num dos seus sonantes discursos públicos mais recentes. Se não se conhecesse o que lá se passa, a afirmação podia merecer aplauso: um presidente independente de uma nação livre! Só que isso é mais uma falácia para iludir os que se deixam iludir, porque a “nação livre” está prisioneira, não da vontade do seu povo (expressa nas urnas em finais de 2015, resultando num parlamento representativo das várias tendências políticas e agora posto em causa), mas apenas de uma facção política que, incapaz de governar em democracia, subverteu as regras e inventou as actuais eleições para mudar a estrutura do regime e impor a sua vontade sem limites.
O próprio Nicolás Maduro não esconde a sua vontade de forçar tal imposição. Citado pela AFP, afirmou: “Eu lhes digo: chova, ou faça sol, a Constituinte vai sair. Nas próximas horas, começará a exercer seu poder absoluto, plenipotenciário.” E as “próximas horas” começam esta sexta-feira, quando tomará posse a constituinte. Para garantir tal “poder absoluto”, as forças de segurança do regime começaram ontem a controlar o edifício do Parlamento, onde o presidente Maduro espera que se dê a troca de uma assembleia de deputados por outra. Uma “comissão de ligação” garantirá, disse ele, a transferência “em paz” da sede legislativa entre os deputados em exercício e os agora eleitos. Isto, que na verdade é um golpe a partir do interior do aparelho estatal (o que está a tornar-se moda, veja-se o caso do Brasil), significa substituir um parlamento pluripartidário (onde a oposição, por escolha popular, tinha maioria) por uma assembleia de devotos de Maduro, saída de umas eleições sob fortes suspeitas de fraude e nas quais a oposição se recusou a participar. Maduro, que acusa os deputados da oposição de “terrorismo”, diz aos recém-eleitos: “Há que fazer justiça, mas isso é tarefa vossa.” Não é preciso muito para antever o que aí vem.