Bolívar venezuelano com desvalorização histórica na véspera da constituinte
O câmbio do dólar norte-americano aumentou 3.000.000% desde o início do chavismo. Hoje em dia, um dólar vale 17.980 bolívares no mercado negro.
Na véspera da tomada de posse da assembleia constituinte, não era o anunciado confronto entre as facções que estão a favor e contra uma nova Constituição que fazia disparar a tensão arterial dos venezuelanos. Num só dia, a cotação da moeda nacional caiu 18%, uma desvalorização histórica do preço do dinheiro — para comprar um dólar passaram a ser precisos 17.980 bolívares (21.397 no caso do euro).
Em Maio, a taxa do bolívar contra o dólar no mercado negro, o único disponível para a população, não chegava aos 6000. Depois de o Presidente Nicolás Maduro convocar a constituinte, o valor do dólar duplicou de 7000 para 14 mil bolívares em pouco mais de vinte dias. O valor actual do câmbio da moeda norte-americana é 3.000.000% (três milhões por cento!) superior ao de Fevereiro de 1999, quando o Presidente Hugo Chávez tomou posse e iniciou o regime que o seu sucessor Nicolás Maduro promete “aprofundar” com a nova Constituição.
A previsão dos economistas é que o câmbio do dólar possa chegar aos 30 a 40 mil bolívares até ao fim do ano. Se o ritmo se mantiver constante, o valor do dólar contra o bolívar subirá 60.000% num único ano — a economia do país terá seguramente entrado no território da hiperinflação, que é declarada quando os preços sobem mais do que 50% num mês. Nas últimas quatro semanas, o preço do dinheiro (medido em dólares) subiu 40%. A estimativa do Fundo Monetário Internacional para 2018 é de uma taxa de inflação de 2068%.
No Twitter, o correspondente da Bloomberg, Andrew Rosati, vai relatando as suas experiências diárias com o dinheiro. Esta semana, o preço do café foi revisto (em alta) três vezes: “e mesmo assim, custa uns tostões”. O táxi motorizado abandonou a tarifa solidária e passou a funcionar indexado ao DolarToday, o site onde os venezuelanos seguem a variação do bolívar. Na quinta-feira, o jornalista foi ao banco descontar um cheque: depois de meia hora, saiu com 4,5 dólares no bolso, o limite fixado pelo seu balcão. A esse dinheiro, juntou um levantamento no multibanco, no valor de 0,75 dólares. “Almoço para duas pessoas”, acrescentou, para contexto.
Tendo em conta a dependência da divisa norte-americana para todas as transacções, o efeito do declive do dólar no nível de vida dos venezuelanos é dramático. Medido em dólares à taxa de câmbio do mercado negro, o salário mínimo nacional (que corresponde sensivelmente ao salário médio do país) baixou 88% nos últimos cinco anos, de 295 dólares em Maio de 2012 para os 36 dólares no mesmo mês de 2017. Com o salário mínimo, os venezuelanos compram agora menos de um quinto dos alimentos que os seus vizinhos colombianos que auferem a mesma remuneração. Ainda assim, quando a fronteira foi reaberta há duas semanas, 35 mil pessoas cruzaram a ponte até à Colômbia, para comprar comida e medicamentos.
Num artigo para ao portal venezuelano Prodavinci, o antigo ministro do Planeamento e ex-economista chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ricardo Hausmann, analisava a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) do país, comparando-a com o de outros países que viveram recessões dramáticas, para concluir que “a catástrofe económica da Venezuela eclipsa qualquer outra da história dos Estados Unidos, Europa Ocidental ou do resto da América Latina”. Ainda que não existam números oficiais, os indicadores disponíveis para o desempenho económico do país em 2017, que são as estimativas do Fundo Monetário Internacional, apontam para um colapso de 35% do PIB face a 2013, o primeiro ano da gestão de Nicolás Maduro. A queda é de 40% se a comparação for o PIB per capita.
“Esta contracção é significativamente mais aguda do que a da Grande Depressão de 1929-33 nos Estados Unidos, quando se calcula que o PIB per capita caiu 28%. É levemente mais alta do que o declive da Rússia (1990-94), Cuba (1989-93) e Albânia (1983-93), mas menor do que a sofrida no mesmo período noutros antigos estados soviéticos, como Georgia, Tajiquistão, Azerbeijão, Arménia e Ucrânia, ou em países devastados por guerras como a Libéria (1993), Líbia (2011), Ruanda (1994), Irão (1981) e, mais recentemente, Sudão do Sul”, compara Hausmann, que actualmente dirige o Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, nos EUA.