Morreu Luiz Melodia, a eterna “pérola negra” da música brasileira
O cantor e compositor Luiz Melodia morreu esta sexta-feira no Rio de Janeiro, onde estava hospitalizado, vítima de cancro. Tinha 66 anos e é autor de uma das obras-primas da música brasileira, Pérola Negra.
É uma considerável perda, para o Brasil e para a música em geral: Luiz Melodia, cantor e compositor carioca, morreu na madrugada desta sexta-feira no hospital Quinta D’Or do Rio de Janeiro, onde estava internado, devido ao agravamento de um cancro na medula óssea. A informação, diz a agência Lusa, foi confirmada pela sua assessoria de imprensa. O cantor já estivera hospitalizado no ano passado, devido a um princípio de AVC.
Nascido no Estácio, um dos bairros de maior tradição sambista do Rio, a 7 de Janeiro de 1951, Luiz Carlos dos Santos adoptou o sobrenome Melodia do seu pai, Oswaldo. Que, apesar de sambista e boémio, quis afastar o filho desse meio, conforme disse o próprio Luiz Melodia ao PÚBLICO em 2004, quando se estreou em Portugal. “Ele queria que eu fosse doutor ou qualquer coisa que se distanciasse da música. E é curioso, isso, porque ele era músico! Mas tinha a ideia que a música não dá futuro, aquelas coisas que ele vivia, bem difíceis, não queria aquilo para o filho dele. Mas não teve jeito porque eu peguei toda a influência dele. Aí, com o passar do tempo, ele aceitou, meio contrariado.”
Jovem Guarda, uma influência
Antes de se considerar influenciado musicalmente pelo pai, Luiz Melodia teve outras fontes: “Quando eu era garoto ouvia muito rádio. Era de uma família pobre, não havia televisão lá em casa. Então, tive esse aprendizado: ouvia muito a Jovem Guarda [que no Brasil se chamou “iê-iê-iê e onde pontificou Roberto Carlos], xote, xaxado, música nordestina, tudo isso enriqueceu muito o meu reportório.” Luiz Melodia não se limitava, no entanto, a ouvir Jovem Guarda. Tocava-a num grupo juvenil chamado Os Instantâneos e posteriormente, por opção sua, passou a integrar algumas canções desse movimento nos seus espectáculos, canções como O caderninho, Quase fui lhe procurar ou Negro gato.
Foi em 1963, com o cantor Mizinho, que Luiz Melodia começou a sua carreira musical. Nessa altura trabalhava como tipógrafo e vendedor, tocando depois em bares à noite. Mas o grande salto na sua carreira deu-se quando Gal Costa gravou Pérola Negra, que lhe foi mostrada por Wally Salomão que, junto com Torquato Neto, ouviam e elogiavam o trabalho do então jovem compositor. Bethânia gravou, depois, Estácio Holy Estácio e Luiz Melodia, por sua vez, gravou em 1973 o histórico LP Pérola Negra, que em 2004 ele ainda dizia olhar com o “maior orgulho, por ser um disco que até hoje é respeitado pela crítica e quase todos os anos é seleccionado entre os melhores feitos no Brasil. Até hoje tiro proveito das suas músicas, pedem-me sempre para tocá-las. E vários artistas têm feito versões: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Zezé Motta, Cássia Eller…”
46 anos de carreira, 16 discos
De Pérola Negra, ainda hoje considerado como uma das obras-primas incontestáveis da música popular brasileira, até Zerima, de 2014, a sua gravação mais recente (distinguida com o Prémio Música Popular Brasileira na categoria de melhor cantor de MPB), Luiz Melodia gravou 16 discos num total de 46 anos de carreira. Em Portugal, estreou-se num espectáculo memorável na Culturgest, na noite de 15 de Maio de 2004, ao lado do exímio violonista nordestino Renato Piau. Seis anos mais tarde, em 2010, e também em Lisboa, subiria (segundo a Lusa) ao palco do Teatro Villaret para nova actuação em Portugal.
O velório de Luiz Melodia será feito na quadra da Escola de Samba Estácio de Sá, que fica na comunidade onde o músico nasceu e foi criado. No jornal O Globo, entre várias mensagens de músicos e amigos, podia ler-se esta, da actriz e cantora Zezé Motta (postada no Facebook, ao lado de uma fotografia onde estavam juntos): “Um dos dias mais tristes. Perdemos Luiz Melodia. O mundo fica sem Melodia. Coração estarrecido. Descanse em paz meu irmão, meu amigo, meu parceiro, te amo. Para sempre no coração do Brasil.”