Verão Danado em Locarno: um filme de dúvidas para uma geração em dúvida

A urgência de filmar dá a Verão Danado uma energia peculiar, compensando as muitas fraquezas de primeiro filme.

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Verão Danado dr
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Verão Danado mostrou-se, então, em Locarno. O filme feito com meia-dúzia de tostões e o investimento voluntário de amigos e conhecidos ao longo de dois anos entra na competição secundária de Locarno Cineasti del Presente com as honras de ser “o” representante da honra do convento num festival que tem tratado bem a produção lusa. Mas há que pôr as coisas no seu lugar: para lá das circunstâncias que rodeiam este “OVNI” desconhecido caído de aparentemente lado nenhum por um realizador sem experiência, Verão Danado tem de sobreviver pelos seus próprios méritos de filme. O mais importante não é a sua produção improvisada, desenrascada, muito à portuguesa, nem as suas mais que evidentes fragilidades de primeiro filme, aliás assumidas por inteiro.

O que interessa realçar em Verão Danado é o desejo de cinema de Pedro Cabeleira, a sua vontade de fazer um filme hoje, agora, de hoje, sobre hoje, e de o fazer como ele acha que deve ser feito, e não a encaixar numa qualquer formatação pré-definida de cinema de autor, de público, comercial, jovem, etc. Se esse desejo, depois, resulta num filme é o que tem de ser olhado – e a resposta não é inteiramente cabal. Ou antes: sim, Verão Danado é um filme, e Pedro Cabeleira é um realizador, mas as suas fraquezas nem sempre se transmutam em forças.

Não há aqui forçosamente uma narrativa, apenas uma sucessão de episódios que se desenrolam durante um Verão, depois do final do curso de Chico (Pedro Marujo) e dos seus amigos, e que conspiram para construir um ambiente: uma claustrofobia progressivamente mais sem sentido, como um quarto cujas paredes se vão aproximando, aprisionando uma geração de jovens que andam à deriva, à procura de algo, sem saberem muito bem o que se lhes oferece como opção e, sobretudo, sem esperarem nada nem terem nada por que esperar. Essa opção por um ambiente resulta melhor nas cenas nocturnas de boémia, longos quadros de abandono eléctrico e transcendente onde a conjugação de imagem (de Leonor Teles), som e música coloca o espectador, sensorialmente, no lugar das personagens.

Nestas cenas sente-se verdadeiramente um olhar de realizador, de organizador audiovisual que busca transmitir uma sensação específica – e o abandono (a palavra é particularmente apropriada) manifesta-se com a força e a energia de um Gaspar Noé dos tempos de Irreversível, por exemplo. Nos interlúdios mais narrativos, geralmente cenas de conversa à volta de uma mesa ou de um sofá ou de um jogo, a coisa é mais morosa, menos convincente, mais amadora no que a palavra pode ter de menos agradável – é aqui que as fraquezas de primeiro filme se sentem todas, inevitavelmente.

A última meia hora do filme, contudo, é ainda outra coisa e quase podia ser a sua própria curta – quase como um “resumo” ou “compacto” da hora e meia que ficou para trás, mas com a emoção, a energia e a atenção multiplicadas, é o momento em que Verão Danado compensa as fraquezas todas e revela um realizador que, se souber e puder crescer, pode ainda ter muito a dizer. Até lá, temos o filme que temos: um filme de dúvidas para uma geração em dúvida, um cartão de visita que deixa o futuro em aberto. 

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