Escolas podem usar notas dos alunos na hora de decidir vagas
Directores dizem que desempenho escolar só é tido em conta depois de esgotadas as prioridades definidas por lei, mas investigador da Universidade Católica acusa que várias vezes estas nem são equacionadas, sendo o critério dominante o do historial do aluno.
O desempenho escolar dos alunos é um dos critérios de desempate que as escolas podem utilizar na sua colocação, desde que tal esteja contemplado no seu regulamento interno e só depois de terem esgotado todas as prioridades estipuladas no despacho de matrículas, que é o diploma que anualmente regulamenta o modo como são ocupadas as vagas existentes.
O Agrupamento de Escolas de Benfica é um dos que contemplam, no seu regulamento interno, a possibilidade de as notas dos alunos serem utilizadas como critério de desempate, mas o seu director, Manuel Esperança, garante que praticamente não é utilizado. “Quem me dera a mim que também pudessem entrar em função das notas, mas como continuamos a ter medo de premiar o mérito geralmente nunca chegamos lá, porque as vagas ficam todas ocupadas com a aplicação das prioridades” do despacho das matrículas, diz.
Existem oito prioridades definidas para o ensino básico e secundário que, no essencial, são semelhantes. Entre elas figuram as seguintes: os alunos com Necessidades Educativas Especiais devem ter a primazia, seguem-se-lhe os que frequentaram a mesma escola no ano lectivo anterior, os que têm irmãos lá matriculados e aqueles cujos encarregados de educação vivem ou trabalham na área de influência do agrupamento.
Mas as escolas públicas que estão melhor posicionadas nos rankings, elaborados com base nas notas dos exames, já foram acusadas de, na hora das matrículas, seleccionarem os seus alunos com base no desempenho escolar, nomeadamente à entrada no ensino secundário. Os directores destes estabelecimentos sempre negaram que tal aconteça. É esta também a posição do responsável pela Escola Secundária Eça de Queirós, na Póvoa do Varzim, José Eduardo Lemos, que é também presidente do Conselho das Escolas, o organismo que representa os directores junto do Ministério da Educação (ME).
“As escolas públicas não fazem ‘selecção de alunos’. Quando muito, ao serem confrontadas com uma procura superior à oferta, as escolas deixam de fora os alunos excedentários aplicando os actuais critérios. A lei actual não permite a utilização generalizada do critério ‘desempenho escolar’. Apenas admite a sua utilização como critério de desempate escolhido pelas escolas, para aplicar após esgotados os critérios legais, ou para inscrição em determinados cursos, como por exemplo no ensino artístico especializado”, indicou por escrito ao PÚBLICO.
Prática conhecida
“É claro que há selecção nas escolas públicas, que ela é conhecida de todos, que existe há anos e que continua a praticar-se sob o olhar complacente de todos”, contrapõe o investigador da Universidade Católica e especialista em educação, Joaquim Azevedo, que já escreveu dois artigos no PÚBLICO a alertar para o problema e que actualmente é um dos responsáveis pelo projecto Arco Maior, que lida com ex-alunos “que foram empurrados de escola em escola até à rua”. “Estou a coligir as histórias deles”, adianta.
Segundo Joaquim Azevedo, a prática de selecção de alunos é sobretudo frequente nas grandes cidades, quando existe mais do que uma escola pública à escolha. “No Porto, que conheço melhor, há alunos que saltam de escola para escola, à procura de um lugar, apenas porque aquilo que é analisado na matrícula é o seu perfil escolar (número de negativas, a que disciplinas, reprovações, faltas disciplinares, etc.) e não os critérios que a lei prevê”, acusa.
Esta é uma prática que, refere, é conhecida do ME, mas contra a qual nada se faz. Joaquim Azevedo não esconde a sua indignação: “Claro que o posicionamento público das escolas, mormente via rankings, é tomado como o ‘culpado’ destas práticas. Fraca justificação para uma imoralidade desta envergadura! Afastam-se alunos ‘problemáticos’ para ficar bem na fotografia!”
Divisão de ruas
Esta questão tem estado ausente da actual polémica sobre a ocupação de vagas, nomeadamente em escolas de Lisboa, que já levou o ME a abrir uma investigação ao Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre e que se tem centrado na apresentação de “moradas falsas” por parte dos encarregados de educação como forma de garantir um lugar na escola que escolheram para os filhos. O que deixa de fora muitos dos que, na verdade, vivem por perto.
Mas esta exclusão pode também ser ditada pelo desenho da chamada área de influência da escola, que é a que determina que zonas ou ruas são tidas em conta na hora de dar prioridade em função da morada da residência ou de trabalho dos encarregados de educação. No caso do D. Filipa de Lencastre, por exemplo, as moradas residenciais da Praça de Londres e da Avenida Manuel da Maia desapareceram da sua área de influência, sendo apenas contabilizados nestes locais o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Instituto Nacional de Estatística.
O PÚBLICO tentou, sem êxito, obter esclarecimentos junto da direcção daquele agrupamento. Segundo o ME, “as áreas de influência foram definidas conjuntamente pelos serviços do Ministério da Educação, câmaras municipais e as escolas”. O despacho que regulamenta as matrículas estabelece que esta delimitação deve ser divulgada todos os anos até 30 de Junho pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, o que não tem sucedido. O ME justifica esta ausência pelo facto de não terem sido feitas alterações das áreas de influência.
Nas escolas de Benfica, esta delimitação mantém-se igual à que foi elaborada para a Escola Secundária José Gomes Ferreira há mais de dez anos, numa altura em que ainda não existia o agrupamento que agora reúne quatro escolas localizadas em moradas diferentes, refere o seu director, que passou, por isso, a utilizar o código postal como referencial para as matrículas.
No concelho de Gaia, quando se aproxima a época das inscrições, os directores das escolas têm por hábito reunir-se para definir que rua pertence a quem, segundo contou o presidente da Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, que é director de um agrupamento localizado naquele concelho. José Eduardo Lemos diz, por seu lado, que ignora que estas áreas de influência terão “geometria variável” consoante quem as interpreta.