Como seriam as primeiras flores da Terra?

A história das plantas com flor é um autêntico enigma. Surge agora uma nova reconstituição de como seria essa primeira flor de há cerca de 140 milhões de anos e, com ela, novas interrogações.

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Modelo tridimensional da primeira flor do planeta Hervé Sauquet/Jürg Schönenberger

Olhamos para ela e nem parece assim tão diferente das flores que conhecemos hoje em dia. Mas a flor branca que vê no centro da ilustração deste artigo tem cerca de 140 milhões de anos. Este novo modelo do antepassado das flores de agora é um dos resultados de um estudo publicado na última edição da revista Nature Communications.

Nesta investigação, reconstituiu-se a evolução das plantas com flor ao longo de pelo menos 140 milhões de anos. Entre os cientistas de todo o mundo que fizeram parte deste trabalho está a portuguesa Patrícia dos Santos, estudante de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Ce3C), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Se há mistério na história evolutiva é a origem e a diversificação das plantas com flor (angiospérmicas). Sabemos pelo registo fóssil que as primeiras plantas com flor surgiram há cerca de 130 milhões de anos, no início do período Cretácico. E são o grupo de plantas mais diversas da Terra com cerca de 300 mil espécies, representando cerca de 90% das plantas de todo o planeta. O projecto internacional eFLOWER, do qual resultou este artigo científico, dá-nos agora uma nova perspectiva de como seriam as primeiras flores.

“Este estudo resulta de um esforço internacional inédito para combinar informação sobre a estrutura das plantas com a última informação sobre a árvore evolutiva de plantas com flor com base no ADN”, refere um comunicado da Universidade de Viena (Áustria), envolvida no estudo. O trabalho foi feito usando modelos matemáticos e uma base de dados sobre as características morfológicas das flores de todo o mundo.

Que resultado teve então este estudo? “Os investigadores reconstituíram a aparência das flores em todas as divergências-chave na árvore evolutiva das plantas com flor”, refere um comunicado do Ce3C. Esta reconstituição incluiu a evolução inicial dos dois maiores grupos de angiospérmicas: as monocotiledóneas (orquídeas, lírios e gramíneas) e as eudicotiledóneas (papoilas, rosas e girassóis).

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Todas as plantas existentes derivam de um antepassado comum ( a flor ao centro) com pelo menos 140 milhões de anos e que foi agora reconstituída Hervé Sauquet/Jürg Schönenberger

Mas a rainha de todas estas reconstituições é a da flor ancestral a que foi atribuída a cor branca. Esta flor é apresentada como bissexual, porque tinha partes femininas (carpelos) e masculinas (estames). E ainda tinha vários verticilos (círculos concêntricos) de órgãos petalóides, que estão dispostos em grupos de três.

“Os resultados são absolutamente inesperados. Até hoje, sempre se pensou que os órgãos das flores ancestrais tinham uma inserção em espiral, e não em verticilos”, diz por sua vez Patrícia dos Santos no comunicado do Ce3C. A portuguesa participou neste trabalho através de uma escola de Verão na Universidade de Viena em Julho de 2013, que foi organizada pelo projecto eFLOWER. Essa escola de Verão ajudou a construir a base de dados sobre as características florais, a Proteus. Foi aí que se conseguiu registar metade de todos os dados da Proteus, segundo o comunicado do Ce3C.

Mas os cientistas não se ficaram apenas pelo registo fóssil. É que os fósseis confirmados das plantas mais antigas não têm mais do que 130 milhões de anos. Ora os novos dados da equipa, que juntaram informação genética com modelos matemáticos, permitiram estimar que o antepassado comum mais recente de todas as angiospérmicas terá surgido há pelo menos 140 milhões de anos. Mas os cientistas põem mesmo a hipótese de recuar esse início de um mundo florido até há 250 milhões de anos, segundo se lê no artigo científico. Agora é preciso encontrar fósseis que sustentem esta hipótese.

Um novo mistério

“Ninguém tinha realmente pensado sobre a evolução inicial das flores desta forma, ainda assim ela é facilmente explicada pelo novo cenário que surge nos nossos modelos”, diz Hervé Sauquet, da Universidade de Paris Sul (na França) e o primeiro autor do trabalho, no comunicado da Universidade de Viena.

Mesmo com esta reconstituição, a história das angiospérmicas ainda permanece um mistério. “A origem das flores continua a ser um dos temas mais difíceis e um dos principais tópicos não resolvidos na biologia evolutiva”, lê-se no artigo. Mesmo assim, os autores salientam: “Estes resultados são um grande passo em frente para se perceber a origem da diversidade floral e a evolução das angiospérmicas como um todo.”

A investigadora portuguesa ainda acrescenta: “Este estudo revela que aquilo que sabemos até hoje sobre a origem e a diversificação das flores terá de ser revisto. Contudo, há ainda muito por explorar, muitos grupos taxonómicos e linhagens que não são ainda contemplados na base de dados (nomeadamente fósseis de flores correspondentes a espécies já extintas), uma vez que a diversidade angiospérmica é enorme, tratando-se de um trabalho minucioso e absolutamente colossal.”

Por enquanto, ficamos com a imagem desta flor tão velha mas que parece que foi apanhada num campo perto de nós.

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