Telecomunicações ainda estão a falhar em Pedrógão

Passados 46 dias dos incêndios, ainda falham as comunicações em Pedrógão. A catástrofe pôs a nu uma situação de falta de concorrência que o Estado ainda não conseguiu resolver.

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Nelson Garrido

Já passou mês e meio desde os incêndios na região de Pedrógão Grande e continua a haver locais onde as comunicações ainda não se encontram totalmente repostas e, mesmo onde existem, “não estão a 100%”. Uma habitante no centro de Castanheira de Pêra confirmou ao PÚBLICO que neste momento está sem televisão e Internet em casa; outro morador na aldeia das Freiras, no concelho de Pedrógão Grande, diz que o serviço lhe foi reposto há duas semanas, mas que ao pai, que mora ali ao lado em Vila Facaia, só chegou há três dias.

Em comum, estas pessoas têm o facto de serem clientes da Meo. E não é por acaso. É que nestes municípios do interior centro os consumidores que quiserem ter Internet fixa de alta velocidade só têm uma opção: contratar os serviços da operadora de telecomunicações da Altice.

Isto porque a PT/Meo é a única que neste momento consegue usar a rede de fibra óptica da Fibroglobal, que recebeu mais de 30 milhões de euros de apoios públicos para construir uma infra-estrutura que todos os operadores pudessem usar para levar aos consumidores desses 42 concelhos ofertas como o triple play (televisão, telefone fixo e banda larga fixa). Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra, Góis, Sertã, Proença-a-Nova... todos estes municípios recentemente afectados por incêndios são servidos pela infra-estrutura da Fibroglobal, de que a Meo/PT é accionista.

Contactada pelo PÚBLICO, a Meo salientou que os incêndios que atingiram Pedrogão entre 17 e 24 de Junho “fizeram arder cerca de 210 km de cabos de telecomunicações e  3.500 postes”. Frisando que em “4 ou 5 dias as equipas técnicas da PT repuseram 98%” dos serviços, a empresa sublinhou que “os trabalhos que ainda decorrem são nas zonas mais remotas da rede”, prevendo-se que “fiquem concluídos dentro de uma semana a semana e meia”.

A Nos e a Vodafone, que são uma alternativa para estas populações nas comunicações móveis, não conseguem sê-lo no fixo (a Nos tem cobertura por satélite, mas as velocidades de Internet ficam aquém das permitidas pela fibra) e queixam-se, sem sucesso, que as condições de utilização grossista definidas pela Fibroglobal tornam a utilização da rede rentável apenas para a PT. Acusam mesmo que se está perante um monopólio pago com fundos comunitários e frisam que a situação contrasta com a das redes da DST Telecom no norte e no sul, que tem uma oferta grossista usada pelas três empresas.

Neste cenário, existe um problema de concorrência, alegam as operadoras. E que com a catástrofe de Junho ganhou outra dimensão. Com os incêndios, arderam os cabos da Fibroglobal, instalados pelo meio dos pinhais, nos antigos postes da PT, o que fez colapsar as comunicações (incluindo o SIRESP) e deixou as populações isoladas durante horas a fio. No caso da Meo, foram abaixo as comunicações fixas e móveis.

“O que nos safou foi o facto de a minha cunhada ser Nos, que é a rede mais fraca aqui, mas que não deixou de funcionar, porque a Vodafone também esteve em baixo. Por pouco tempo, mas esteve”, contou ao PÚBLICO um morador de Vila Facaia. O mesmo morador que sublinhou que, “depois da calamidade”, a Fibroglobal “não mudou nada”, porque na reconstrução das redes continua a puxar “os cabos por cima, em paus de madeira, quando deviam estar enterrados”. É um “automatismo”, como as “seguradoras pagam, a empresa faz da mesma maneira que sempre fez”, acusou.

Na prática, a rede de transporte volta a ficar vulnerável e “o cenário vai repetir-se se houver outro incêndio”, disse ao PÚBLICO Ricardo Pereira, dono de uma empresa de telecomunicações de Pedrógão, que participou na construção da rede da Fibroglobal, como subempreiteiro da Viatel (empresa da Visabeira).

“Ainda cheguei a propor a passagem do cabo pelas condutas do IC8, mas disseram-me ‘não, usas os postes da PT’”, contou ao PÚBLICO. Numa primeira fase teve instruções para substituir os postes em más condições, “mas lá mais para o fim, já era para usar quaisquer uns”. Não é que os cabos aéreos sejam a opção mais barata, “para a operadora custa o mesmo, mas para os empreiteiros, a nível da execução técnica é mais fácil e permite fazer mais instalações num único dia”, explicou. A máxima no sector é “se está falar, está bom”, ou seja, “se o cliente estiver ligado está tudo bem, depois logo se vê”.

Como se viu, o “logo se vê” significa neste caso que passados 40 dias dos incêndios ainda há muitas situações por resolver. Mesmo nos locais em que os serviços foram repostos (no caso da fibra e no da antiga rede de cobre), há localizações em que “ainda não estão a 100%”: “Vão e vêm”, “a Internet fica muito lenta e cai”, “o telefone não funciona” e “dados móveis nem pensar”, foram queixas ouvidas junto de alguns clientes da Meo. Nodeirinho, Pobrais, Graça, Casal do Cume, Ramalho e Pinheiro do Bolim foram alguns dos exemplos relatados ao PÚBLICO de zonas de Pedrógão com problemas. A Lusa recolheu testemunhos de habitantes de outros locais como Figueira e Sarzedas de São Pedro, Gestosa e Moita (Castanheira).

Em simultâneo com os relatos negativos que o PÚBLICO ouviu também há quem note que, mesmo dentro do que correu mal, “e houve tanta coisa que correu mal”, a operadora da Altice até mostrou “alguma atenção”. Uma habitante de Castanheira de Pêra revelou que à filha, que não tinha Internet em casa e que precisava de estudar para a segunda fase dos exames do 10º ano, a Meo “carregou um pacote de 10 GB no telemóvel”, além de fazer os acertos na factura relativos a Junho e Julho.

Fonte da Anacom disse ao PÚBLICO que “os problemas notificados ao centro de reporte estão resolvidos”. Mas o facto de “as situações reportadas” estarem solucionadas não quer dizer que não haja problemas, porque há um limite de pessoas afectadas abaixo do qual o reporte não é obrigatório, explicou.

Governo aguarda Anacom

Mas, afinal, o que é a Fibroglobal? Trata-se de uma sociedade, que foi criada com a Visabeira (accionista e fornecedora histórica da antiga PT) para o concurso de redes rurais de nova geração lançado em 2009 pelo Governo de José Sócrates, em que a PT mantém uma posição accionista de 5%, mas onde os 95% da Visabeira foram vendidos à JMO, uma sociedade luxemburguesa gerida por um português com ligações a Armando Pereira, o sócio português de Patrick Drahi na Altice.

Até agora, as queixas da Nos e da Vodafone sobre a Fibroglobal têm surtido pouco efeito, mesmo porque a oferta grossista a que esta estava obrigada, existe. O problema, queixam-se, é que não só os preços grossistas “são excessivos” e os níveis de qualidade de serviço oferecidos insuficientes, como a situação privilegiada de accionista e cliente da Meo em relação à Fibroglobal lhe torna as condições económicas de acesso à rede mais vantajosas.

Ao PÚBLICO, a Anacom já disse em ocasiões anteriores que as suas funções são apenas de “assessoria ao Governo no acompanhamento das redes de nova geração rurais” e que a actuação em caso de incumprimento “cabe ao Governo, porque o contrato foi celebrado entre o Estado e a Fibroglobal”. Questionado pelo PÚBLICO sobre se identificou algum motivo que sustente as queixas dos concorrentes da PT, que possa justificar uma renegociação do contrato assinado em 2011, o Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas (MPI) sublinhou que “o regulador [Anacom] tem os poderes de identificar um eventual incumprimento por parte dos operadores grossistas” e que, “caso apresente alguma dúvida quanto ao mesmo, o Governo não deixará de fazer valer a defesa do erário público”.

À pergunta sobre se está a avaliar o comportamento da empresa nos incêndios, nomeadamente quanto às obrigações de reporte e resolução de avarias, o MPI respondeu que “essa avaliação estará a ser efectuada pela Anacom, ao abrigo dos regulamentos de integridade de rede actualmente existentes”.

E será depois de receber a “informação e avaliação completa efectuada pela Anacom” que o Governo decidirá se faz alguma coisa quanto às queixas da Nos e da Vodafone sobre as condições de acesso à rede.

A falta de alternativas à Meo é um dos pontos em que toca a queixa que Ricardo Pereira enviou à Anacom e a diversos responsáveis políticos no final da semana passada. “Não teremos nós no interior o mesmo direito a ter acesso ao efeito concorrencial? Por que razão só podemos ter fibra da Meo”, pergunta. Além disso, questiona que no centro de Pedrógão, onde existem condutas construídas pela autarquia, se insista nas instalações de cabo aéreo e nas fachadas, e que a empresa deixe ficarem cabos em alturas inferiores a 1,5 metros.

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