PSD quer empresas a fiscalizar e processar as concorrentes

O princípio é defendido numa directiva comunitária que devia ter sido transposta no ano passado. Sociais-democratas pegaram na proposta da Autoridade da Concorrência que o Governo ignorou até agora e colocaram-na num projecto de lei.

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Nelson Garrido

A ideia que está na base da proposta do PSD é simples: permitir que uma empresa processe judicialmente e peça indemnização a outra empresa que lhe prejudique o negócio por violar os princípios da concorrência, sem ter de fazer o caso passar pela Autoridade da Concorrência (AdC), que apenas tem poder para aplicar multas e sanções. O princípio está previsto numa directiva comunitária que Portugal - e todos os Estados-membros da União Europeia - devia ter transposto até ao final de Dezembro do ano passado mas, devido à falta do Governo, a bancada social-democrata entregou agora no Parlamento um projecto de lei nesse sentido.

"Hoje, se uma empresa vê outra violar as regras da concorrência, tem de levar o caso à AdC, esperar que o regulador faça uma investigação e condene a empresa prevaricadora a uma sanção ou multa, mas sem qualquer indemnização à lesada", descreve o vice-presidente da bancada do PSD, António Leitão Amaro. Ou seja, na prática, a lesada não é ressarcida pelos danos causados pela violação da lei da concorrência, daí a necessidade de criar um novo regime, defende o social-democrata.

As empresas poderão passar a recorrer directamente ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), criado em 2011 ainda no tempo do governo de José Sócrates, mas instalado já no executivo de Pedro Passos Coelho, em Santarém. Leitão Amaro diz não acreditar numa "corrida" ao tribunal no imediato, mas admite que aquela entidade possa vir a precisar de "reforço". 

Leitão Amaro realça que o princípio foi estabelecido por uma directiva comunitária e que há países onde estes processos entre empresas já são possíveis há muito tempo. A directiva devia ter sido transposta até ao final de Dezembro de 2016 mas o Governo, apesar de ter recebido um anteprojecto legislativo da AdC em Junho do ano passado, "ainda nada fez", critica o deputado. Reino Unido, Dinamarca, Irlanda, Hungria, Finlândia, Suécia, Eslovénia, Eslováquia e Letónia já a transpuseram.

"Este regime de private enforcement permite facilitar a compensação das vítimas pelos danos sofridos em resultado de infracções ao direito da concorrência e, por outro lado, garantir uma articulação equilibrada entre a aplicação pública e a aplicação privada do direito da concorrência", argumentam os sociais-democratas no diploma. Agilizando a possibilidade de serem exigidas indemnizações a quem violar a lei da concorrência, o PSD quer dissuadir os comportamentos "anticoncorrenciais".

No caso dos pedidos de indemnização, e como as empresas actuam num mercado cada vez mais globalizado, propõe-se que estes possam ser pedidos à empresa sediada em Portugal que cometeu a infracção, mas também à empresa-mãe internacional, desde que esta detenha mais de 90% da primeira, numa espécie de "responsabilidade parental" para que as companhias não se escudem em subterfúgios legais.

O deputado conta que o PSD "seguiu de perto" a proposta da AdC "que o Governo meteu na gaveta" para ter o cuidado de não diminuir os poderes do regulador. "A Autoridade da Concorrência não perde poderes. Pode ser chamada a dar apoio ao TCRS, as suas investigações, os meios de prova e até as decisões podem ser puxadas e incorporadas nos processos que estejam em tribunal", descreve António Leitão Amaro, vincando que este é um "mecanismo adicional que não lesa as actuais competências da Autoridade". Antes pretende dar mais instrumentos às empresas para que sejam estas a zelar pela concorrência leal e legal no mercado.

"Nos estudos sobre o mercado empresarial português, além das questões do direito laboral e do excesso de burocracia, também é comum apontar-se a existência de concorrência pouco saudável e de muitas práticas abusivas e violadoras da concorrência", salienta o deputado, lembrando a existência de casos de "conluio entre empresas, cartéis, abuso de posição dominante", para os quais a AdC, "por si só, não é suficiente". Assim as empresas "já não ficam dependentes de uma única entidade".

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Economia informou, já depois do fecho da edição em papel, que "está actualmente a analisar o ante-projecto de transposição apresentado pela Autoridade da Concorrência, assim como as opções de transposição de outros Estados-Membros, pelo que ainda durante o mês de Agosto vai ser apresentado um projecto de transposição ao Parlamento".

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