Pico de mortalidade em Junho coincidiu com onda de calor e incêndio em Pedrógão
As altas temperaturas e o incêndio em Pedrógão Grande contribuíram para que se registasse um aumento da mortalidade em Junho. No dia 17 morreram 273 pessoas e, no dia seguinte, registaram-se 379 mortes.
Em apenas quatro dias, entre 17 e 20 de Junho, registaram-se 1352 mortes, mais 296 do que a média dos oito anos anteriores (de 2009 a 2016). O pico de mortalidade do mês coincidiu com um período de onda de calor, mas este não foi o único factor de peso.
O incêndio em Pedrógão Grande, que deflagrou a 17 de Junho e só foi dominado uma semana depois, provocou a morte a 64 pessoas (mais duas que estão a ser investigadas). Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), explica que o número de mortos resultantes da tragédia representa cerca de um quarto das que se observa, por norma, num único dia, algo que não é “negligenciável”.
O incêndio, associado às altas temperaturas, fez com que se registasse mais óbitos nesse período temporal do que é habitual, explicou ao PÚBLICO.
Os dados diários da mortalidade estão disponíveis para consulta na plataforma eVM (vigilância da mortalidade), desenvolvida pelo SICO (Sistema Informação dos Certificados de Óbito), do Ministério da Saúde, onde podem ser consultados.
De acordo com a plataforma, só no dia 18 de Junho, houve 85 óbitos cuja causa de morte estava “sujeita a investigação”, um valor acima do registado nos outros dias (em Junho, excluindo o dia 18, há uma média de 22 mortes por dia sujeitas a investigação).
Ricardo Mexia justifica que esses óbitos, onde estão incluídos os do incêndio em Pedrógão, deverão ter sido “classificados provisoriamente” nessa categoria enquanto se realizavam as autópsias e por questões de identificação.
Apesar do incêndio de Pedrógão Grande, quando se tem em conta o mês de Junho inteiro não existe grande discrepância entre os valores registados este ano e no ano passado, já que as temperaturas altas são comuns a ambos: em 2017 morreram em Junho 8250 pessoas, mais 63 do que as registadas no mesmo mês do ano passado (8187).
Estes fenómenos “não são inesperados”
“Além das catástrofes”, como o incêndio de Pedrógão Grande, Ricardo Mexia afirma que estes fenómenos “não são inesperados” e que está provado que os “picos de temperatura estão associados a um aumento da mortalidade”.
As temperaturas elevadas fazem-se notar nas populações mais vulneráveis, sobretudo entre os idosos – as causas de morte acabam por ser, em muitos dos casos, a desidratação ou a descompensação de alguma doença crónica já existente, explica o médico. Nos quatro dias analisados, 1146 pessoas morreram de causas naturais e 25 de causas externas, havendo 181 mortes sujeitas a investigação.
As ondas de calor são caracterizadas, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), por uma temperatura cinco graus Celsius acima do valor médio diário no período de referência durante, pelo menos, seis dias consecutivos. O fenómeno de temperaturas extremas tem “impacto nas populações mais vulneráveis”, explica Ricardo Mexia, daí que existam planos de contingência para minimizar os seus riscos.
Em Junho, o coordenador do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Carlos Dias, afirmava ao PÚBLICO que durante o período supramencionado fora “feito um alerta de onda de calor” às autoridades de saúde, em que era referido que eram “esperadas consequências graves em termos de saúde e mortalidade”.
No boletim climatológico do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) referente a Junho, lê-se que o mês “foi extremamente quente e muito seco”, sendo que se registaram “valores de temperatura máxima superiores ou iguais a 30ºC em mais de 90% das estações meteorológicas" entre os dias 16 e 19. O relatório confirma ainda que houve “uma onda de calor no período de 7 a 24 de Junho”.
Mas os picos de mortalidade não estão só associados ao calor. Em Janeiro deste ano também se registaram números elevados: no total, morreram 13.649 pessoas, um número bem acima do registado no período homólogo em anos anteriores. O presidente da ANMSP refere que existe um “padrão sazonal” verificando-se que existe um maior número de óbitos no Inverno do que no Verão, explicado “pela questão do frio e da epidemia sazonal da gripe”.