Vera Roquette ainda fala com os mais pequenos, agora sem televisão pelo meio
Especial P2 Verão. A apresentadora de Agora Escolha, programa que a RTP teve no ar durante oito anos, escreve livros para crianças. Na televisão, está cansada de apanhar “secas” com futebol e novelas.
Se recuássemos 25 anos, podíamos começar assim: “Sejam bem-vindos, neste dia 29 de Julho de 2017”. Vera Roquette começava desta forma o programa da RTP Agora Escolha, sublinhando invariavelmente a data da emissão, sempre feita em directo. Nas salas de estar de milhares de casas no país, havia uma legião de fãs a acompanhá-la. Sobretudo crianças, já que a primeira parte do programa era preenchido com desenhos animados. Um quarto de século volvido, popular apresentadora continua a falar com os mais pequenos: tornou-se escritora de livros infantis e percorre as escolas do país a apresentá-los.
Na memória de muitos dos que estão hoje entre os 30 e os 40 anos está a rotina de uma tarde passada em casa com a companhia da televisão. Após o almoço, um pouco antes, ou um pouco depois, das 15h00, começava Agora Escolha. O programa começou a ir para o ar em 1986, ainda na RTP 2, passando para o primeiro canal da televisão pública em 1993, pouco tempo antes de ser retirado da grelha, em Janeiro de 1994.
O programa tinha duas partes. Na primeira havia um espaço infantil, que fez do seu um nome familiar entre as crianças desse tempo. Pelo Agora Escolha passaram séries de animação produzidas no japão como Os Três Mosqueteiros, Tom Sawywer ou Ana dos Cabelos Ruivos. Durante esses 25 minutos, o público podia votar no programa que queria ver a seguir. Para isso, tinha que telefonar para um dos cinco números de telefone disponíveis (três em Lisboa, dois no Porto) e votar no Bloco A ou no Bloco B. A escolha incluía séries norte-americanas como Missão Impossível, o Barco do Amor ou Espaço 1999, mas também séries documentais, espetáculos de bailado ou musicais.
“Era um programa de enlatados”, revela ao PÚBLICO Vera Roquette, que foi a cara e a alma do programa. No jargão televisivo isso significava retransmitir programas que a RTP já tinha exibido, mas apresentados de forma diferente. “Foi uma ideia que o Carlos Pinto Coelho [então director de programas da TV pública] trouxe de fora e ficou logo agarrado nas primeiras chamadas”, recorda a apresentadora.
O formato do Agora Escolha era simples: um cenário minimalista e Vera sempre sentada num plano médio, falando directamente para os espectadores. Nos nove anos em que esteve no ar, porém, foi colorindo esse ponto de partida neutro. Às vezes literalmente – a moda do final dos anos 1980 passou mesmo em frente aos espectadores, com o cabelo da apresentadora a assumir a moda da franja ou da permanente encaracolada e as roupas coloridas, com camisolas e camisas de chumaços nos ombros –, mas também na forma de encarar o programa.
A certa altura, Vera Roquette começou a ler no programa as cartas que chegavam dos telespectadores. Chegou a receber mais de 9 mil por mês – “uma loucura” – e também mostrava os muitos desenhos enviados pelas crianças. E isso garantiu a intergeracionalidade do programa. “Para verem o desenho da criança, a avó, a mãe e o tio também viam [o programa]”, recorda. Juntou-lhes o espaço “pensamento do dia” e passatempos. O sucesso levou à criação de um clube de fãs do Agora Escolha, que dava direito inclusive a um bilhete de identidade. “Gerou-se uma comunidade. Os fãs do Norte iam passar férias a casa dos do Sul e vice-versa. Houve namoros, casamentos”.
Ainda com os “mais pequenos
Vera Roquette ainda continua em contacto com os “mais pequenos”, a expressão a que recorria frequentemente para se referir às crianças durante o programa. Agora como escritora, uma carreira iniciada em 2002 com o livro Escrito na Areia, compilação de crónicas escritas no Diário de Notícias durante quatro anos. Mas foi na literatura infantil que acabou por encontrar o seu principal território.
Em 2009 é editado O senhor que vivia na Lua (que faz parte do Plano Nacional de Leitura). A essa obra juntaram-se, nos quatro anos seguintes, duas novas edições: Dona Ervilha Corre Mundo e Zás Trás Pás Zuca Maluca. É por causa desses livros que percorre escolas de todo o país, novamente em contacto com as crianças. O que mudou? O que se perdeu em escala, ganhou-se em intensidade. “Na televisão atingia mais gente de uma só vez. Eram milhões a verem-me ao segundo. A minha mensagem ia mais longe”, lembra, “mas, quando vou às escolas, tenho à minha frente 200 ou 300 crianças que posso abraçar ou dar um beijinho”. Mais vantagens: “Quando estou a representar uma parte cómica de um dos livros, dão uma estrondosa gargalhada em uníssono. Isso é uma coisa impagável”.
O livro mais recente de Vera Roquette, foi lançado em Dezembro de 2011 e destina-se a “todas as gerações”, como anuncia a capa. Chama-se Agora escolha! Cromos à desgarrada e reúne histórias divertidas sobre produtos icónicos dos anos 1960, 70 e 80 em Portugal, como a farinha Amparo ou o óleo de fígado de bacalhau, mas também de pessoas, de personalidades públicas, que vão do actor e apresentador de televisão Raul Solnado, a figuras típicas de Lisboa, como o "Noivo Eterno" ou o "Senhor do Adeus".
Depois disso, veio a crise, e as ordens de todos os responsáveis pelas editoras foi para parar. E a recuperação, por estes dias, é ainda “lenta”, neste mercado. Os projectos que Vera Roquette tinha então adiantados ainda não saíram da gaveta, mas nunca parou de escrever. Agora tem uma série de histórias para crianças aprovadas para serem editadas e está a meio de um livro para adultos: “Mas não posso dizer o que é”.
Mas é a televisão que diz ter sido a sua verdadeira profissão. Via-se a voltar aos ecrãs? “Sim, mas era para fazer outro tipo de programas”, responde. Vera Roquette gostava de fazer um programa de conversas sobre temas sérios e com conteúdo, como saúde, por exemplo. O problema é que os programas “minimamente construtivos” vão para o ar à meia-noite ou uma da manhã. “Para esses horários, não, obrigada”, vinca.
A restante programação pouco a entusiasma. “Os canais hoje estão cheias de telenovelas, umas a seguir às outras, e futebol. Eu gosto de ver os grandes jogos internacionais mas é um desespero completo ouvir as conversas totalmente vazias e os intermináveis rescaldos”. “Uma seca”, atira.