DGS quer aumentar rastreios de hepatites B e C em populações de risco
Não se sabe quantas pessoas estão infectadas com os vírus da hepatite B e C em Portugal. Primeiro plano estratégico para controlo das hepatites virais assume falta de informação.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) quer aumentar ao ritmo de 33% por ano, até 2020, o número de testes e rastreios para a detecção de hepatites B e C e diminuir em 10%, neste horizonte temporal, a mortalidade associada à infecção crónica por estes vírus. Mas as metas definidas neste que é o “primeiro plano estratégico nacional” para o controlo destas infecções — e que hoje, dia mundial das hepatites, vai ser apresentado em Lisboa — não partem de dados objectivos. Porquê? Porque não se sabe quantas pessoas fizeram testes de rastreio em Portugal, faltam os dados dos hospitais.
Desconhece-se também a dimensão da mortalidade provocada pelas hepatites C e B, uma vez que, como causa de morte, surge muitas vezes nos certificados de óbito o cancro de fígado ou a cirrose hepática, explica a directora do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Isabel Aldir.
Este programa passou a integrar o conjunto de programas prioritários da DGS em 2016. No relatório em que fazem o ponto da situação e traçam as metas para o futuro, os responsáveis da DGS admitem que há “lacunas importantes” no sistema de vigilância e que a informação disponível sobre a doença e as suas complicações “é escassa e fragmentada” em Portugal. E frisam que este plano de acção deverá, assim, “ser encarado como a primeira fase de um documento dinâmico, passível de ser ajustado”.
“É o plano possível com a informação que existe no momento, este programa está a nascer”, justifica Isabel Aldir. Mas o médico e deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, que é um dos convidados para hoje comentar o relatório, contrapõe que o documento “não é plano nenhum”. “É um documento inócuo, com generalidades e que empurra para o futuro decisões que deviam ser tomadas já hoje”, diz.
No dia mundial das hepatites (além da C, há a A, a B, a D e a E), as atenções dos responsáveis da DGS e dos peritos concentram-se sobretudo na infecção pelos três primeiros tipos de infecção. Nas hepatite C e a B (para esta última há uma vacina) porque são as mais preocupantes, por poderem evoluir para cancro no fígado, e na A, por ter saltado recentemente para a ribalta, depois de no início deste ano ter havido um surto em Portugal e em mais 15 países europeus.
Relativamente à hepatite C, a mais mediatizada desde que passámos a dispor de terapêuticas (anti-virais de acção directa) que, até à data, têm permitido uma elevadíssima taxa de cura dos doentes, faz-se o balanço dos tratamentos já autorizados (17.591 doentes), e dos doentes já curados, dados que já tinham sido avançados pela Autoridade Nacional do medicamento ao PÚBLICO na semana passada.
Recordam-se também os números de um primeiro balanço efectuado em Fevereiro de 2016 — que apontam para uma poupança de 271,4 milhões de euros em custos com os tratamentos das consequências da evolução da infecção. Terão sido evitadas 3477 mortes prematuras, 339 transplantes hepáticos, além de 1951 cancros do fígado e 5417 casos de cirrose. “A hepatite C é um espanto, é uma satisfação enorme viver esta fase [em que há tratamentos que curam]”, frisa Isabel Aldir.
“Mas e a prevenção?”, questiona Ricardo Leite. “Gastamos milhões de euros no tratamento, mas não estamos a fechar a torneira a novas infecções”, critica, sublinhando que este é um trabalho que tem que ser feito junto das populações mais vulneráveis. Desde logo, os migrantes, os reclusos, os consumidores de drogas.
Isabel Aldir nota que este é um trabalho que está a ser feito no terreno por organizações não-governamentais, apoiadas pelas autoridades, e sublinha que a prioridade é a detecção precoce. Se os doentes forem detectados numa fase precoce da infecção, já não vão evoluir para cirroses ou cancros de fígado, nota.
Por isso é que há determinados grupos de risco que devem fazer os testes de detecção. Além dos elencados pelo deputado, acrescenta as pessoas transfusionadas antes de 1992 (antes de ser feito por sistema teste para a hepatite B). Também a população prisional, que faz testes à entrada dos estabelecimentos, deveria fazê-los à saída, admite.
Surto de hepatite A
No plano, como “desígnios” para 2017, aparece a criação de estratégias “individualizadas e adequadas a populações” que vivem com hepatites virais crónicas com mais dificuldades de aceder aos serviços de saúde, em parceria com o SICAD e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, e a distribuição de preservativos masculinos e femininos e troca de seringas.
Quanto à hepatite A, depois de o número de casos ter diminuído de forma consistente nas últimas décadas, graças à melhoria das condições sócio-sanitárias, no início deste ano verificou-se um aumento substancial de casos confirmados, um surto que ocorreu não só em Portugal mas também em mais 15 países europeus.
De Janeiro até 30 de Junho, foram notificados 378 casos em Portugal, 89% dos quais em pessoas do sexo masculino, sendo que “em 52% houve referência à prática de sexo entre homens”, lê-se no relatório.
Desde 3 de Abril, foram administradas cerca de 4 mil vacinas. Ontem, o balanço foi actualizado, havendo já 402 casos confirmados no país.