Doença "fastidiosa" do olival em Espanha está a assustar o Alentejo
Foco da bactéria Xylella fastidiosa apareceu em Alicante, lançando o pânico entre agricultores da Andaluzia e consternação entre olivicultores alentejanos, que pedem medidas de prevenção.
Um agricultor da província espanhola de Alicante, na região autónoma de Valência fez, no final do mês de Junho, uma alarmante descoberta no meio hectare de amendoeiras que tem na sua exploração agrícola. Deparou-se com uma quebra anormal da produção e com necroses (queimaduras) nas folhas. Era o primeiro sinal de presença da bactéria Xylella fastidiosa que surgia na Península Ibérica. O suficiente para lançar o pânico nos agricultores da Andaluzia e a preocupação nos seus colegas alentejanos.
“Imagine-se o que fará nas 60 milhões de oliveiras só na Andaluzia”, dispostas em continuidade ao longo de 600 mil de hectares e onde 37% da população vive directamente da fileira do azeite, salienta Luis Carlos Valero, porta-voz da Associação Agrária de Jovens Agricultores (Asaja) na província de Jaen, num comunicado da Federação Espanhola de Industriais de Fabrico de Azeite de Oliveira (Infa Oliva), a que o PÚBLICO teve acesso. “Esta é, sem dúvida, a maior ameaça para o futuro rural da Andaluzia. Pode vir a ter um impacto semelhante à filoxera na vinha [grande praga que ocorreu na Europa em meados do século XIX]. Será um enorme desastre, se não agirmos imediatamente”, assinala o agricultor de Jaen.
Dados do Ministério da Agricultura espanhol referem que o volume global de negócios no sector do azeite é de 1800 milhões de euros/ano. A produção de amêndoas movimenta cerca de 60 milhões de euros e a dos citrinos (laranjas e limões) resulta em quase 2000 milhões de euros. Trata-se de um leque de culturas que são o suporte económico da Andaluzia e que está “sob ameaça da Xylella”, observa Luís Valero.
Ao medo de ver os olivais, as vinhas e as árvores de fruto infectadas com a bactéria oriunda dos Estados Unidos da América juntam-se as imposições comunitárias aplicadas na erradicação da bactéria. Ao ser detectada a sua presença é obrigatório o estabelecimento de um cordão sanitário com uma área mínima de dez quilómetros de diâmetro em redor da área afectada. Segue-se a eliminação de todas as plantas e das suas raízes, que têm de ser arrancadas e destroçadas num raio de 100 metros do local onde foi detectada a bactéria. “Estas orientações significam, na prática, arrasar plantações inteiras, se a praga aparecer”, salientou Eduardo López, secretário-geral da Coordenadora de Organizações de Agricultores Ganadeiros (COAG) da Andaluzia, no documento já referido.
Esta operação está a ter lugar na plantação de amendoeiras de Alicante, onde “12 dos 17 focos localizados em amendoeiras foram testados e deram positivo”, referem os serviços fitossanitários espanhóis. Mas acredita-se que a “epidemia já estará definitivamente instalada, lançando os agricultores em pânico”, pois têm consciência de que estão em jogo “milhares de empregos e milhares de milhões de euros”, garante a Infa Oliva.
As organizações de agricultores da Andaluzia chamam a atenção do Governo espanhol para a necessidade de “indemnizar” os agricultores pelas perdas a que venham a ser sujeitos no processo de erradicação da Xylella fastidiosa nas suas explorações. Reclamam que se quantifique o custo de arrasar ou queimar as áreas afectadas, e o tempo que os terrenos ficam interditos a novos cultivos, assim como os encargos que são necessários para retomar a exploração e o rendimento que o agricultor perde com a interdição da produção, que pode prolongar-se por três ou quatro anos.
Ramón Mampel, secretário-geral da organização Agricultores e Produtores Pecuários de Valência, foi claro: “É muito importante que o Governo indemnize os agricultores afectados [pela bactéria]. Se não o fizer, haverá a tentação de se calarem para não perder a sua colheita, evitando assim ficar na ruína.” A este propósito lembra o que aconteceu em Itália. “Os agricultores não queriam perder dinheiro e calaram-se. A praga alastrou e agora encontram-se na ruína total.”
O rasto de destruição que a Xylella deixou na região italiana de Apúlia, onde a bactéria surgiu pela primeira vez na Europa em 2013, obrigou ao abate, trituração ou queima de um milhão de oliveiras e há mais dois milhões de árvores para erradicar, por estarem contaminadas ou em risco disso.
O argumento usado pelos serviços tutelados pelo Ministério da Agricultura espanhol para “conter o pânico” entre agricultores espanhóis garantia que a Xylella fastidiosa varreu o Sul da Itália, por ser um território onde existiam milhares de hectares de oliveiras “pouco cuidadas”, recorda o comunicado da Infa Oliva, explicando que em plantações limpas, sulfatadas, “seria impossível de acontecer”.
Mas a experiência colhida pelos agricultores das ilhas de Maiorca e Ibiza, ao longo dos últimos nove meses de epidemia, desmonta o argumento. “As bactérias também prosperam em plantações cuidadas e que respeitam todos os detalhes fitossanitários”, conclui o documento. Já terão morrido nas duas ilhas até 15.000 hectares de amendoeiras por causa da Xylella. O governo das ilhas Baleares diz ter identificado 253 focos de Xylella, 73 dos quais afectam amendoeiras. Já foram arrancadas mais de 2000 plantas no total, ao mesmo tempo que oficialmente se dizia que a epidemia “estava controlada”.
Alentejo pede ajuda
Esta leitura também era partilhada por várias organizações de olivicultores alentejanos até ter surgido o mais recente episódio da doença em Alicante, como explicou ao PÚBLICO Henrique Herculano, director técnico no Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo (Cepaal), entidade que tem associados cerca de 70 produtores da região Alentejo e cuja produção é baseada nas variedades tradicionais da região (galega vulgar, cobrançosa, cordovil de Serpa e verdeal alentejana).
“Se não houver estruturas fortes para o controlo e erradicação da doença, dificilmente se poderá contar com a colaboração dos agricultores que têm olival, vinha ou amendoal”, adverte Henrique Herculano. E, à imagem do que aconteceu em Itália e agora na Andaluzia, “como é que se pode pedir a um agricultor que tem como única fonte de rendimento o seu olival que denuncie a presença da doença”, quando “não está prevista” qualquer indemnização pela tutela, no caso de surgirem áreas contaminadas?, pergunta.
O director técnico do Cepaal defende que a prevenção “deve começar já”. “[Se não se fizer nada,] estamos a criar condições para o desastre, o que não me parece difícil que aconteça”, diz. Frisa que nos olivais tradicionais as pragas “são mais recorrentes e intensas”. O facto de os novos olivais estarem sujeitos a sistemáticos controlos de pragas e infestações “pode retardar o contágio com a Xylella fastidiosa, mas é impossível evitar o contacto do vector mosquito com as árvores”, garante. Herculano sugere que os planos de erradicação já aplicados no combate a doenças em animais podem servir de inspiração para encontrar um meio de controlar a Xylella fastidiosa.
Em declarações prestadas ao PÚBLICO, Pedro Lopes, presidente da Associação de Olivicultores do Sul (Olivum), admite que o contágio aos olivais tradicionais “possa ser mais propício face ao que está a acontecer nos outros países”. No entanto, “os novos olivais também não estão imunes à bactéria”.
O dirigente associativo salienta que os olivicultores que integram a Olivum se encontram há algum tempo “em regime de prevenção”, mas a sua capacidade de intervenção “é muito limitada,” o que os obriga a estar “dependentes” dos serviços do Ministério da Agricultura.
O Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) “está a fazer o acompanhamento de olivais como medida preventiva”, num contexto em que se assiste ao constante crescimento de área com novas plantações, sobretudo na região sob influência do Alqueva. O INIAV há algum tempo que mantém equipas no terreno no Baixo Alentejo “a controlar as folhas da oliveira”, o primeiro sinal de contágio, observa Pedro Lopes.
“Vamos fazer com que os nossos olivicultores não omitam a presença de focos infecciosos, se tal vier a acontecer.” Porém, adverte: “Sem ajudas [governamentais] não haverá controlo e prevenção da doença.” O investimento nos novos olivais “é muito grande” nos cerca de 30 mil hectares que integram a associação que dirige.
O valor estimado para os custos de instalação de uma exploração de olivicultura é, em média, de 13 mil euros por hectare, até que se obtenha produção, o que ocorre ao fim de dois anos e meio a três anos.
Nas páginas de associações de olivicultores do Alentejo, na Internet, o PÚBLICO não localizou qualquer referência aos focos da Xylella fastidiosa em Espanha. Apenas a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) tem divulgado periodicamente informação sobre a epidemia desde que apareceu em 2013, no Sul de Itália.
O último comunicado que publicou tem a data de 30 de Junho e refere-se “à primeira detecção de Xylella fastidiosa no território continental de Espanha, em Alicante”. Relata as medidas preventivas que estão a ser tomadas para reter o foco da doença na exploração onde foi detectada. E informa os agricultores de que “é proibido” ser portador de plantas de qualquer espécie susceptível proveniente das ilhas Baleares, ao mesmo tempo que os aconselha a estarem atentos “aos sintomas suspeitos” que revelam a presença da bactéria: quebra anormal da produção e folhas secas.