Automotora que inaugurou a electrificação da linha de Sintra vai ser desmantelada
Defensores do património ferroviário tentam salvar equipamento e já foi lançada uma petição para impedir que destruam a composição que fez a viagem inaugural da tracção eléctrica entre o Rossio e Sintra, em 28 de Abril de 1957.
Estacionada no Entroncamento, a velhinha UTE 2001 faz parte de uma longa lista de automotoras e carruagens que começaram a ser desmanteladas na semana passada por uma empresa de sucata na sequência de um concurso público lançado pela CP. Mas na Internet circula uma petição para salvar aquela composição que inaugurou em 1957 a electrificação da linha de Sintra.
A UTE (Unidade Tripla Eléctrica) 2001 fez parte de um primeiro lote de 25 automotoras que a CP mandou construir na Sorefame entre 1956 e 1957 a fim de colocar ao serviço nos primeiros troços electrificados da rede ferroviária: linha de Sintra e Lisboa – Entroncamento (em 1926 já tinha sido electrificada a linha de Cascais, mas com uma tensão eléctrica diferente).
Das primeiras 25 automotoras eléctricas, numeradas entre 2001 e 2025, a primeira a sair da fábrica da Amadora faria a viagem inaugural da tracção eléctrica entre o Rossio e Sintra, em 28 de Abril de 1957, com o então presidente da República, Craveiro Lopes.
Na petição online que apela à sua preservação, refere-se que “sucateá-la seria uma perda irreparável, uma vez que perderíamos um exemplar das primeiras UTE” pois “esta automotora não será apenas o símbolo desse importantíssimo dia para o nosso caminho-de-ferro, como é o símbolo do que foi o serviço suburbano e regional da última metade do século XX”.
À semelhança das suas “irmãs” da mesma série, a UTE2001 atingia uma velocidade máxima de 90 Km/hora e contava 248 lugares, dos quais 180 em segunda classe e 68 em primeira classe. Sim, à época os comboios suburbanos - designados tranvias - tinham primeira classe.
Depois de décadas a circular na linha de Sintra, a UTE fez também comboios regionais na linha do Norte. Foi desafectada em 1999 e estacionada no Entroncamento onde ficou esquecida durante estes anos até passar agora a constar de uma lista de material excedentário da CP destinado a abate.
Os defensores do património ferroviário tentam a todo o custo impedir a demolição desta automotora e têm escrito a várias entidades apelando à sua preservação. Mas têm contra eles um parecer do Conselho Técnico Científico da Fundação Nacional do Museu Ferroviário que nela não vê interesse museológico.
A petição diz que se o museu ferroviário não quer este material, “então que a CP o mantenha preservado e pronto a ser utilizado para a realização de comboios especiais com fins turísticos”. E dá outra alternativa: “se a CP obstinadamente não quiser aproveitar o potencial turístico, antes da destruição deste património ferroviário, o mesmo deverá ser disponibilizado por meio de venda a eventuais interessados em o explorar para fins turísticos, ou, de forma simbólica, a associações de entusiastas como acontece noutros países da Europa”.
Pinto Pires, que foi director do Museu Nacional Ferroviário, diz que, apesar de vandalizada e de lhe faltarem algumas peças, a UTE2001 é facilmente recuperável para ser posta em marcha desde que se vão buscar alguns equipamentos a outras unidades da mesma série.
Já Jaime Ramos, responsável da Fundação Nacional do Museu Ferroviário, tem uma opinião contrária. “Os serviços deram um parecer técnico no qual se diz que a UTE não tem condições para integrar o espólio do museu porque está toda destruída”. O também ex presidente da Câmara do Entroncamento diz que “o conselho de administração do museu decide mediante pareceres técnicos” e, por isso, não subscreve o apelo para a preservação da automotora.
Pinto Pires, que representa também a APPI (Associação Portuguesa do Património Industrial) diz que a recuperação é possível e que aquela composição poderia até ser um veículo pedagógico que circulasse pelo país com uma exposição itinerante sobre a história do caminho-de-ferro.
E alerta que não é só a UTE2001 que tem valor museológico e que está na linha de demolição para sucata. Nela também se encontram as célebres Uhansa, carruagens-cama de origem alemã, compradas em segunda mão pela CP em 1991 para circularem no Sud Expresso e que saíram de serviço em 2010. Dos quatro veículos, nenhum está previsto ser salvaguardado. Pinto Pires diz que a CP tem oficinas desafectadas na Figueira da Foz onde este material poderia ficar resguardado até um dia haver recursos para o musealizar ou colocar ao serviço em comboios charter. “Abatê-las é que não”, diz.