Estudantes estão a mudar a casa (e a vida) de famílias carenciadas

A associação Just a Change, juntamente com a Fundação Mão Amiga, colocou jovens universitários a reabilitar 11 casas degradadas no concelho de Sever do Vouga, distrito de Aveiro.

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O projecto em Sever do Vouga resulta de uma parceria entre o Just a Change, a Fundação Mão Amiga e a Câmara Municipal. Paulo Pimenta
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O silêncio de Vila Fria é substituído pelo frenesim e alegria de jovens que estão a ajudar a recuperar habitações. Paulo Pimenta
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Os voluntários vêm de todas as partes do país, incluindo Porto, Aveiro, Évora e Aveiro. Paulo Pimenta
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Salomé Martins vem da Universidade de Aveiro, que tem um protocolo com a Fundação Mão Amiga. Paulo Pimenta
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A associação Just a Change intervém em zonas urbanas e em vilas e aldeias isoladas de Portugal. Paulo Pimenta
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A casa de Conceição Gradim é uma das 11 que estão a ser reabilitadas em Sever do Vouga. Paulo Pimenta
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A reabilitação de cada casa é sempre orientada por um mestre de obras. Paulo Pimenta
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Na casa de Álvaro Loreno, os tectos e as paredes ganharam uma nova vida. Paulo Pimenta
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A mãe de Álvaro, também Conceição, diz não querer largar os voluntários que chegaram a sua casa. Paulo Pimenta

Desde o início de Julho que Sever do Vouga, no distrito de Aveiro, tem recebido novos visitantes com uma missão especial. São jovens universitários, vêm de várias partes do país e não se importam de tirar uns dias das férias para ajudar quem mais precisa. Juntos, estão a reabilitar 11 casas degradadas de famílias carenciadas do concelho e esperam vir a mudar a vida de quem nelas habita.

Conceição Gradim tem 74 anos e vive com o seu marido, Manuel Martins, numa casa em Vila Fria, uma pequena terra no meio de Sever do Vouga. É lá que tem vivido parte da sua vida, mas os problemas têm-se acumulado: “Chovia muito aqui dentro, até no guarda-fatos. As telhas estavam mais para lá do que para cá e quando o vento era mais forte deixava tudo destruído”, conta ao PÚBLICO, enquanto passa o olhar pela sala que está agora repleta de todo o tipo de materiais de construção.

No sítio onde vive, rodeado por natureza e pelo silêncio que se costuma sentir na pacata vila, há agora o frenesim e alegria dos jovens que estão a ajudar a recuperar o seu lar. Entre preparar a massa de cimento, tapar os buracos do telhado e arranjar os tectos e as paredes, os voluntários, pouco a pouco, vão dando uma nova vida e novas condições àquela e a outras habitações.

Ao todo, são 20 dias de obras de reabilitação de habitações degradadas, orientadas sempre por mestres de obra e apoiadas por várias instituições locais, num projecto que junta a associação Just a Change, em português “Apenas uma mudança”, a Fundação Mão Amiga e a Câmara Municipal de Sever do Vouga.

A ideia do Just a Change surgiu quando um grupo de amigos se juntou e começou a tocar guitarra na baixa de Lisboa para “ganhar uns trocos” e ajudar na alimentação dos sem-abrigo. Mas, queriam ir mais longe e decidiram fazer algo diferente: “Já existiam muitas instituições a fazer esse tipo de trabalho e então viramo-nos mais para o ramo habitacional”, conta Henrique Lopes Cardoso, da associação. Começaram, assim, a intervir em casas ou instituições com pequenas coisas como “pinturas e umas massas” e, a partir daí, foram evoluindo até chegar a este projecto. Desta vez, estão por Sever do Vouga.

Salomé Martins estuda psicologia na Universidade de Aveiro, que tem um protocolo com a fundação Mão Amiga, e é uma das voluntárias do projecto. Não é a primeira vez que decide fazer voluntariado, mas confessa que é a sua estreia a “pôr as mãos na massa para reabilitar casas”. Apesar de ser cansativo, diz estar a apanhar o gosto e a aprender coisas novas.

“Na casa onde nós estávamos, o senhor parecia que vivia sozinho, parecia mesmo ter vontade de falar, então nós estamos a trabalhar e a falar com ele ao mesmo tempo”, acrescenta. E porquê colocar jovens a reabilitar casas? Segundo o Just a Change, são os mais novos que trazem consigo “uma vontade inabalável de mudar o mundo” e agora podem fazê-lo ao ajudar as famílias e idosos das aldeias de Portugal.

Reconstruir casas e vidas

Nas casas que estão a ser reabilitadas, não são apenas as paredes e os telhados que ganham uma nova vida: “Muitas destas pessoas vivem sozinhas ou vivem só com o marido ou mulher e sentem-se muito sozinhas durante o ano. Este é um momento para também conversar e estar com essas pessoas”, diz Henrique.  

Para Beatriz Ramos, estudante de escultura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, há uma componente humana no projecto que é tão importante como o recuperar da casa. Os moradores, conta, receberam os voluntários de braços abertos, na casa que passa também a ser deles durante uns dias: “Somos muito bem recebidos, as pessoas são muito queridas e preocupadas connosco, sempre a perguntar se está tudo bem, oferecem-nos imensa comida, tudo o que puderem ajudar ajudam”.

Beatriz está a ajudar na casa de Álvaro Loreno, uma das mais complexas que está a ser intervencionada. Quem olha do exterior, vê indícios de obras com andaimes, telhas novas e os vários materiais de construção, mas é no interior que as mudanças são mais visíveis.

“Costumava chover na minha cozinha, as paredes tinham muita humidade e agora estão todas pintadas de novo. Estava tudo a cair”, explica Álvaro. Muitas destas habitações não tinham sequer saneamento básico e obrigavam os moradores a arranjar uma solução longe de casa. Agora, Álvaro vai finalmente ter uma casa de banho e poder dormir noites mais tranquilas: “A casa está a ficar bonita, quem a viu e quem a vê”.

Tal como outros moradores, o que Álvaro tem reparado mais desde que os voluntários chegaram a sua casa é a oportunidade de ter sempre visitas de pessoas que já vê como família. “Tenho sempre companhia. Estou aqui, costumo estar sozinho e agora é uma alegria. Admiro esta juventude por ter largado as férias e vindo para aqui trabalhar como voluntário”, conta, acrescentando que agora almoça com os jovens e, sempre que pode, dá uma ajuda no trabalho. A mãe de Álvaro, também com o nome de Conceição, tem estado a acompanhar o trabalho e habituou-se tanto à presença dos jovens que admite já não os querer largar.

Noutra casa, está Leonor Souto Maior, voluntária da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, que se encontra a preencher os espaços vazios entre as paredes e o telhado, com tijolo e cimento, “para haver uma cobertura suficiente para preencher tudo”. A ideia de retirar uns dias das férias para fazer voluntariado pareceu-lhe óptima.

Segundo Edite Matos, presidente da Fundação Mão Amiga, para se chegar à escolha das 11 habitações a reabilitar, foi necessário fazer um levantamento das necessidades de todas as pessoas que se inscreveram, em função do rendimento e do estado degradado das casas. Apesar de não ser a primeira vez que a fundação está inserida num projecto destes, nunca o tinha feito nestas dimensões.

Sim, há quem viva assim

Os primeiros dias, conta Simão Oom, um dos coordenadores do Just a Change, são sempre de curiosidade para saber “como é que as pessoas vão reagir, como é que vão lidar com toda a mudança no seu lar” e, muitas vezes são também um choque para os voluntários: “Muitos não faziam ideia de que as pessoas viviam assim e isso também teve impacto”, acrescenta. No final, o objectivo é deixar o trabalho feito e permitir aos habitantes começarem a cuidar da sua casa e a valorizarem aquilo que têm.

“No início, é sempre difícil uma pessoa receber voluntários do nada, que não sabem fazer nada, a mexerem na sua casa, que é um lugar tão próprio e tão privado”, explica Henrique Lopes Cardoso. Agora, depois de começarem a ver os trabalhos a serem terminados, “começa-se a ver os sorrisos nas caras e é uma alegria”.

O projecto é feito de forma a que os moradores possam continuar a residir na sua habitação durante as obras, e também eles ajudam e fazem questão de garantir que não falta nada aos voluntários. Conceição Gradim, por exemplo, diz ajudar no que pode: “Ajudo, varro e faço o que posso. Já pus a mesa lá em baixo, ajudo no que é preciso”.

Ao todo, são cerca de 100 voluntários, divididos por dois campos de 10 dias, e vêm de todo o lado: Porto, Lisboa, Évora, Aveiro e até de outros países como Inglaterra, França e Espanha. As obras de recuperação estão previstas terminar no dia 25 de Julho e Conceição diz já ter uma forma de agradecer aos voluntários: “Prometi à equipa que anda a trabalhar fazer uma vitela assada e vou fazê-la logo que a cozinha esteja pronta para eu cozinhar”. No futuro, diz Edite Matos, as famílias vão continuar a ser acompanhadas. Já o Just a Change vai continuar a recuperar casas degradadas em zonas urbanas e pelas vilas e aldeias mais isoladas de Portugal.

Texto editado por Ana Fernandes

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